OPINIÃO

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No livro Como as Democracias Morrem[1], Steven Livitsky e Daniel Ziblattfazem uma análise crua da história da democracia de vários países e como elas foram lentamente açodadas para o caminho do autoritarismo, a exemplo de países como a Venezuela e outros.

O foco do livro é a análise da democracia americana com destaque para a relação bipartidária entre os democratas e os republicanos, todavia, destacando a deterioração dessa relação política ao longo dos anos, o que gerou uma intolerância mútua e uma polarização sem precedentes nos EUA, culminando com a eleição de Donald Trump.

No Brasil, malgrado não tenhamos apenas dois partidos políticos, as relações políticas espúrias, a guerra entre partidos, a intolerância com o diferente e a polarização já vêm de anos, mas seus níveis parecem ter aumentado exponencialmente nos últimos tempos, especialmente nas eleições presidenciais de 2018.

O resultado disso, segundo os autores supracitados, é uma lenta morte da democracia, já que se privilegia os interesses corporativos em detrimento dos interesses do país.

As diversas discussões da pauta política do país, como as reformas política, tributária e da Previdência, são exemplos claros de que a discussão permanece polarizada, com ataques mútuos, sem se ater a um projeto nacional que atenda verdadeiramente a sociedade brasileira. Realmente, a polarização extrema é capaz de matar as democracias.

Ora, como aduzem Livitsky e Ziblatt não somente as normas jurídicas e as regras escritas garantem a democracia. Há que se ter regras informais decisivas para sua garantia, como a tolerância mútua e a reserva institucional.

A tolerância mútua consiste no respeito ao diferente, no cumprimento das regras informais e costumeiras da política, na observância dos aspectos éticos e morais, bem como na autopreservação política dos adversários, e não em uma guerra ideológica destrutiva.

Isso perpassa pelo uso dos canais institucionais para a prática da oposição política, e não por uma polarização absurda calcada em um discurso maniqueísta para o atendimento de interesses de grupo baseado na ruptura democrática com fulcro na radicalidade do certo ou errado.

Já a reserva institucional se consubstancia no respeito não somente à letra da lei, mas ao seu espírito, isto é, cumprir materialmente a norma. Em outras palavras, seria cumprir a norma com legitimidade.

Neste contexto, as instituições assumem papel fundamental. Para tanto, precisamos fortalecê-las. Não podemos confundir pessoas corruptas, antiéticas e sem espírito republicano com instituições.

Além disso, as instituições não podem ser taxadas como inimigas de um lado, simplesmente pela polarização extrema de ideias. As instituições são maiores que pessoas ou momentos políticos, elas são o sustentáculo da democracia.

Instituições como o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, o Poder Executivo, as funções essenciais à Justiça como a advocacia pública dentre outras, são a argamassa para o funcionamento e equilíbrio de um Estado Democrático de Direito.

Portanto, tanto no aspecto interno institucional como externo, há que se prevalecer o diálogo institucional, a tolerância mútua e a reserva institucional.

Ações judiciais fundadas em interesses exclusivamente corporativos e políticos, sem qualquer respaldo republicano, prejudicam o equilíbrio democrático, ainda mais em um período de profundas reformas e mudanças que se avizinham.

Nunca o sistema de check and balances pensado por Montesquieu foi tão importante e fundamental na República brasileira. Vivemos momentos surreais de politização institucional, com quebra diuturna do sistema de tripartição de Poderes.

E isso não é só culpa de falsas notícias ou de minorias radicais. A culpa é de todos nós e parte do comportamento interno dos membros que compõem todas essas instituições. Enquanto não pararem de usar os canais institucionais como forma de defesa corporativa, a democracia brasileira, se é que já existiu plenamente, morre lentamente, já que o princípio da confiança nas instituições públicas é o pilar de qualquer Estado.

Como disseram Steven Livitsky e Daniel Ziblatt, “a democracia é um empreendimento compartilhado. Depende de todos nós”!

Se não estivermos dispostos a abandonarmos o jogo duro constitucional, na expressão utilizada por Mark Tushnet, abusando do uso das regras para levar o outro à destruição, o sistema de freios e contrapesos falha. Sendo a fúria institucional bilateral, como na lei da ação e reação na física, o princípio da autopreservação desaparece e todos saem enfraquecidos, e quem perde é o cidadão e a sociedade.

Se não mudarmos nosso paradigma constitucional e político, as instituições vão morrer e, com ela, a democracia brasileira.


[1] LEVITSKY, Steven e ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução Renato Aguiar. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

 é procurador federal da AGU, doutor em Direito Constitucional e mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Conselheiro seccional da OAB-MG e ex-diretor Nacional da Escola da AGU.

Revista Consultor Jurídico