A oposição congressual, numericamente pequena, não dará conta de impedir a implementação dessa agenda sem um grande suporte popular. É preciso desinterditar o debate, apresentar um projeto de Nação que desperte esperança e confiança no povo e promover formação política, porque do contrário, o governo continuará manipulando os incautos.

Antônio Augusto de Queiroz*

Com a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência, apresentada como condição para o retorno dos investimentos e da geração de emprego, de um lado, e a sinalização de Jair Bolsonaro de que pretende disputar a reeleição, de outro, o governo ganhou o impulso que necessitava para colocar em prática sua agenda econômica, que nada mais é do que a “Ponte para o Futuro” turbinada, deixada por Michel Temer (MDB).

O governo, para implementar sua agenda de reformas, parte do pressuposto de que a economia só voltará a crescer se o Estado reduzir suas políticas sociais, vender suas empresas, desmontar a máquina pública e incentivar o setor produtivo, mediante desregulamentação da legislação trabalhista e ambiental, e reduzir a carga tributária, ainda que deixe de cumprir os direitos universais assegurados pela Constituição.

No quesito social, a reforma da Previdência e da Assistência Social é um bom exemplo de quem será escolhido como variável de ajuste. A reforma, que pretende nos próximos 10 anos economizar R$ 1 trilhão, escolheu os mais pobres para pagar a conta.

Segundo cálculos com base na planilha oficial, o texto que saiu da comissão especial da Câmara irá economizar 82% do montante previsto em cima:

1) dos segurados urbanos e rurais, filiados ao regime geral;

2) dos trabalhadores com renda até dois salários mínimos, que são beneficiários do abono salarial; e

3) dos idosos e deficientes miseráveis, que dependem do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A venda de ativos está em curso, mas ganhou impulso com a decisão governamental de privatizar os correios, de vender as refinarias da Petrobras e de reduzir a presença dos bancos oficiais no mercado, especialmente o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, que devem vender suas subsidiárias para devolver recursos à União para cobrir déficits ou gerar superávits.

O desmonte da máquina pública, igualmente, será implementado em 3 dimensões:

1) a primeira pela decisão administrativa de reduzir o quadro de pessoal, tanto via proibição de concursos públicos, quanto pela ampliação da terceirização, além da extinção e enxugamento de órgãos públicos;

2) a segunda pela decisão política de negar condições materiais para que determinados setores do governo funcionem, especialmente as áreas de fiscalização e controle; e

3) a terceira pela transferência de atividades da União nas áreas de educação, saúde, assistência social, meio ambiente, entre outras, para estados e municípios, para fundações públicas e de direito privado, para organizações sociais públicas ou privadas ou simplesmente para empresas com fins lucrativos. O sucateamento dos mecanismos de participação social, via conselhos, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e a extinção da Política Nacional de Participação Social, materializam a nova (velha) visão tecnocrático-autoritária do governo.

Desregulamentação, desburocratização e “parcerias” com o setor privado, como incentivo ao empreendedorismo e ao investimento, que suprime legislação desnecessária, mas também normas de proteção, como as normas regulamentadoras do trabalho, de proteção ao meio ambiente, entre outras, são parte inerente desse “pacote” anti-Estado. A primeira medida nessa direção foi a edição da MP 881/19, que proclama a “liberdade econômica” e dispensa registro para criação e funcionamento de determinadas empresas, inclusive em domingos e feriados.

Por fim, a promessa de redução da carga tributária para o setor produtivo, porém sem aliviar a situação dos impostos indiretos sobre consumo, que penaliza os mais pobres. A promessa de taxação dos ganhos de capital para desonerar o setor produtivo dificilmente será implementada, exceto apenas para as receitas destinadas a garantir políticas sociais e previdenciárias, como é o caso das contribuições sobre a folha de salário para custeio da Seguridade Social.

Mas como o governo irá colocar em prática essa agenda sem maior reação do povo? Esse é o segredo da equipe econômica do governo, que utiliza o presidente e seu núcleo “ideológico-diversionista”, à moda Donald Trump, para dividir a sociedade sobre temas da agenda cultural e moral, tais como comportamentos, religião, corrupção, entre outros, enquanto a agenda liberal e fiscal é implementada sem maiores resistências.

O Congresso, que pode ser classificado como liberal, do ponto de vista econômico, e fiscalista, do ponto de vista de gestão, também assumiu a agenda da equipe econômica. Assim, por mais que o presidente da República, aparentemente, contrarie o Congresso com suas ideias reacionárias relativas a comportamento e valores, isso não impedirá que os parlamentares levem a cabo as agendas econômicas e fiscais, que também são suas, ainda mais se o governo concordar, como fez na reforma de Previdência, em liberar recursos para a base eleitoral de seus aliados políticos.

A base governamental, aparentemente desorganizada, tem agido de forma sincronizada, ao apresentar e pedir para relatar projetos coincidentes com a agenda liberal e fiscal, a exemplo do projeto de lei da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) com o mesmo texto da “MP do boleto bancário” dos sindicatos que “caducou” recentemente, e das relatorias de projetos solicitadas pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) nas comissões de Trabalho; e de Finanças e Tributação.

Os setores democráticos, especialmente os movimentos sociais e os partidos de esquerda, centro-esquerda e até setores de centro, precisam reagir frente a essa perspectiva, sob pena de profundo retrocesso civilizatório.

A oposição congressual, numericamente pequena, não dará conta de impedir a implementação dessa agenda sem um grande suporte popular. É preciso desinterditar o debate, apresentar um projeto de Nação que desperte esperança e confiança no povo e promover formação política, porque do contrário, o governo continuará manipulando os incautos.

(*) Jornalista, consultor e analista político, e diretor licenciado do Diap. Publicado originalmente pela revista eletrônica Teoria&Debate

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