A retomada do receituário neoliberal no período recente foi o responsável principal pelo desencadeamento de novo quadro recessivo na economia que levou praticamente ao desfecho da industrialização brasileira. Isso porque o setor industrial terminou sendo o mais atingido pela queda no nível de produção, cuja alternativa tem sido a substituição de produtos nacionais por importados e prevalência de significativo déficit de manufatura na balança comercial.

Por Marcio Pochmann*

Sem base industrial consolidada, dificilmente o Brasil poderá retomar o rumo do desenvolvimento nacional Sem base industrial consolidada, dificilmente o Brasil poderá retomar o rumo do desenvolvimento nacional 
Esse desfazimento das políticas em defesa da produção nacional e de estímulo aos investimentos pode comprometer, em definitivo, as possibilidades da reindustrialização no país. Sem base industrial consolidada, dificilmente o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, poderá retomar novamente o rumo do desenvolvimento nacional.

Como se sabe, a industrialização brasileira transcorreu no espaço de tempo histórico de cerca de cinco décadas demarcadas por dois fundamentais parâmetros de dimensão externa. O primeiro associado à estabilidade no padrão técnico de produção alcançado com o desenvolvimento do fordismo, após a consolidação da segunda Revolução Industrial e Tecnológica (1870-1910).

O segundo parâmetro externo decorreu da perspectiva de capitalismo organizado estabeleceu durante o interregno da primeira onda de globalização capitalista (1870-1914), também definida por imperialismo. O segundo pós-guerra mundial permitiu, por cerca de três décadas, a manifestação do chamado anos dourados do capitalismo, com a regulação econômica de Bretton Woods e a combinação política do crescimento econômico com democracia e inclusão social.

Desde a segunda metade da década de 1970, esses dois parâmetros de dimensão externa mudaram radicalmente. A começar pelo fim do Acordo de Bretton Woods, que terminou por estimular o surgimento da segunda onda de globalização capitalista comandada pelas grandes corporações transnacionais desde 1980.

Também na década de 1970, os sinais de esgotamento identificados junto da organização fordista de produção foram respondidos por novos investimentos voltados à propulsão de uma terceira Revolução Industrial e Tecnológica. As intensas inovações de processos e produtos procedidas impuseram significativa instabilidade e descontinuidade no padrão técnico de produção de manufatura.

Em virtude da segunda onda de globalização capitalista e da instabilidade tecnológica, a industrialização nacional se viu diante de constrangimentos externos até então inesperados. As reações de parte dos governos brasileiros praticadas desde a década de 1970 foram permeadas por equívocos e insucessos.

Diante da primeira recessão detectada em 1973 nos países de capitalismo avançado desde o segundo após-guerra, o governo militar afastou-se da tentativa de adotar a agenda restritiva ao crescimento brasileiro defendida por Mário H. Simonsen e implementou o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979). O importante projeto do governo Geisel permitiu completar o ciclo da industrialização, sem responder aos desafios estabelecidos pela terceira Revolução Industrial e Tecnológica, conforme a Coreia do Sul, por exemplo, conseguiu realizar.

Além disso, a promoção da primeira recessão (1981-1983) desde a Depressão Econômica de 1929 provocou certo deslocamento da centralidade do desenvolvimento nacional do mercado interno para o externo diante do acordo de pagamento da dívida externa contraída anteriormente. O programa de ajuste exportador, em parceria com o FMI, levou ao maior fechamento da economia nacional, atrasando ainda mais a competitividade e a incorporação de novas tecnologias pela industrialização nos anos de 1980.

Na virada para o século atual, os governos neoliberais (1990-2002) impuseram o modo passivo e subordinado de inserção na segunda onda de globalização capitalista. Se, de um lado, a viabilização do Plano Real se mostrou favorável à estabilidade monetária, após mais de uma década de superinflação, de outro, restringiu brutalmente a capacidade da indústria nacional de competir, com elevadas taxas de juros e prevalência da valorização cambial.

Nos anos 2000, os governos do PT se mostraram capazes de reconstruir o dinamismo econômico, porém sem conseguir se afastar suficientemente da agenda do tripé macroeconômico. Os avanços na industrialização possibilitados pelas políticas desenvolvimentistas encontram maior resistência por parte das corporações transnacionais e dos Estados Unidos, que atuaram contrariamente ao processo de integração latino-americano e articulação com os BRICS.

Tudo isso terminou se perdendo no quadro geral da recessão, operações da lava Jato e retomada do receituário neoliberal. Essa situação terminará colocando os governos de Temer e de Bolsonaro no panteão dos presidentes que colocaram a pá de cal no ciclo da industrialização nacional.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Unicamp
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