Ainda que sem a mesma influência dos EUA e China, UE continuará a representar um dos principais polos de poder no mundo nas décadas futuras.

Por Paulo Nogueira Batista Jr. 

 
A União Europeia voltou às primeiras páginas com as recentes eleições para o Parlamento Europeu. Mas não é o que se vê normalmente. A UE não tem o destaque que recebem, por exemplo, os Estados Unidos e a China. E, no entanto, do ponto de vista econômico, está em pé de igualdade com esses dois outros polos. As economias dos EUA e da UE têm, aproximadamente, a mesma dimensão, com participações no PIB mundial em torno de 15% a 16%. A da China responde por 19%.

O que explica o fato de os europeus ficarem, em geral, em segundo plano? São várias as razões, nem sempre devidamente consideradas. Para começo de conversa, leitor, a China vem crescendo rapidamente em termos de participação relativa. Já a UE tende a perder peso. Isso vem ocorrendo há décadas e deve continuar no futuro visível.

Mas a questão, claro, envolve muito mais do que apenas o tamanho econômico. O poder de atuação internacional de um país ou de um bloco regional depende, em larga medida, da sua coesão interna. E isso sempre fez falta à Europa, região historicamente propensa a conflitos fratricidas. As chamadas Guerras Mundiais do século XX foram, em primeira instância, guerras civis europeias, que se espalharam na sequência para o resto do mundo, ou partes do resto do mundo. A ninguém escapa que os europeus fizeram, desde a Segunda Guerra, enormes avanços na superação de suas desavenças internas – algo que não ocorreu, diga-se de passagem, entre o Japão, a China e outros vizinhos. Ainda assim, fissuras persistem dentro do bloco europeu, o que afeta inter alia a sua capacidade de se projetar internacionalmente. Já os EUA e a China são Estados Nacionais. E a China, em especial, notabiliza-se por sua coesão interna, atribuível à mão forte do Partido Comunista e, também, ao sucesso econômico das últimas quatro décadas.

As dificuldades do euro jogaram lenha nas divergências dentro do bloco. O pós-crise de 2008 foi traumático para a integração europeia, ao contrapor a Alemanha à periferia vulnerável do euro. A Grécia foi o caso mais difícil. Mas, a duras penas, o euro foi mantido e nem a Grécia abandonou a moeda comum. Novas crises podem surgir, mas foi possível botar certa ordem na casa.

Quando os europeus pareciam ter equacionado a crise monetária, eis que são surpreendidos pelo Brexit. Os ingleses, sempre pouco confiáveis, como bem sabia De Gaulle, aprontaram mais uma contra a Europa (e, dessa vez, contra si mesmos…). Os americanos, já lançados na aventura Trump, comemoraram discretamente o enfraquecimento da UE.

O Brexit e outros acontecimentos mostram que, além das tradicionais tensões entre as nações do bloco, os europeus enfrentam os mesmos tipos de fenômenos desagregadores que aparecem do outro lado do Atlântico Norte. As elites europeias e norte-americanas, desenraizadas e “globalizadas”, perderam o contato com seus países de origem. Com a grande concentração de renda e riqueza nas décadas recentes, o que representou certa “latino-americanização” dos países avançados, cresceu a percepção de que as democracias são, na realidade, plutocracias, com pouco ou nenhum espaço para as maiorias. Ao mesmo tempo, as ondas de imigrantes pobres despertaram reações nacionalistas e preocupações com o risco de perda de identidade cultural.

De novo, na Europa, esses novos fatores de ruptura política e social se somam à tradicional dificuldade de unir nações muito diferentes em um projeto de integração profunda. Isso gera uma certa paralisia ou, ao menos, perda de relevância da UE como ator global.

A Europa é, porém, uma região hiperdesenvolvida e sofisticada, e não vai perder essa condição. Padrões de vida e educação muito elevados associam-se ao domínio de tecnologias avançadas em muitas áreas, para dar aos europeus vantagens ainda extraordinárias. Tudo considerado, a UE continuará a representar um dos principais polos de poder no mundo nas décadas futuras. Não terá a mesma influência que os EUA e a China, mas seu declínio relativo será gradual, e o seu peso se fará sentir por muito tempo.

Ao Brasil, superadas as barbaridades e vassalagens que marcaram o governo Temer e marcam, mais ainda, o (des)governo Bolsonaro, caberia ampliar as relações com a Europa e, em especial, explorar para nosso proveito as tensões e disputas entre europeus, americanos e chineses.


Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

Fonte: CartaCapital