Embora haja grande expectativa que Bolsonaro use domínio das mídias sociais para aprovar a reforma, terreno favorece a oposição

Há grande expectativa no meio político sobre a promoção da reforma da Previdência nas mídias sociais. Na campanha para presidente, Bolsonaro mostrou que com uma estratégia bem desenhada para mídias sociais era possível sobrepujar uma larga desvantagem em recursos tradicionais como verbas de campanha, tempo de propaganda na TV e palanque nos estados. Mas muitas das condições que permitiram o sucesso da campanha eleitoral de Bolsonaro não estão presentes na campanha pela reforma da Previdência.

Para que a informação se propague nas mídias sociais, é preciso que a mensagem mobilize sentimentos fortes no receptor.

Na TV ou num jornal, as mensagens são distribuídas para receptores "passivos", de maneira unidirecional, independente do conteúdo. Nas mídias sociais, as mensagens não se propagam assim. Para que se difundam, precisam despertar sentimentos (de medo, indignação, entusiasmo) que levem receptores a apertar o botão de reenviar numa cadeia viral sucessiva. É por isso que mensagens "frias" (informativas, reflexivas ou apenas desinteressantes) se difundem de maneira muito limitada nas redes.

A campanha eleitoral de Bolsonaro foi bem-sucedida em mobilizar sentimentos negativos fortes, como a ojeriza a partidos, de um lado, e, de outro, o medo do feminismo e do movimento LGBT, vistos como ameaças à família. Seria possível reproduzir a estratégia numa campanha de apoio à reforma da Previdência?

De maneira geral, mídias sociais são refratárias a campanhas como essa. Embora seja possível persuadir alguns cidadãos da necessidade de mudar as regras da aposentadoria, não é razoável esperar que a mensagem de que vamos ter que contribuir mais, trabalhar por mais tempo e receber um valor menor gere entusiasmo suficiente para ser reencaminhada numa cadeia sucessiva.

Como a tentativa de reforma no governo Temer demonstrou, o terreno favorece a oposição. Ela pode explorar a indignação e a frustração que certamente surgirão e mobilizar esses sentimentos para barrar diversas propostas ou, no limite, impedir a aprovação.

Por outro lado, pode ser que uma campanha engenhosa consiga despertar sentimentos de indignação contra a aposentadoria de políticos e juízes, entendidas como privilégio. Pode ainda sobrecarregar a economia da atenção com controvérsias em outros temas que tirem o foco da Previdência durante o período mais crítico da tramitação no Congresso.

De todo modo, o terreno é bastante adverso e o governo vai precisar pagar por propaganda e contar com o apoio espontâneo dos meios de comunicação de massa que tanto despreza.

Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

Folha de S.Paulo