Mudança é enorme, achata salários e benefícios e tem vários aspectos justos

O projeto de reforma da Previdência é mudança enorme. Vai levar uns dias para mastigar detalhes e digerir com muitas contas o seu impacto. Das propostas que acabam de sair do forno, parece importante reter o seguinte:

Primeiro. Parte do que parece uma reforma das aposentadorias dos servidores públicos pode ser entendida como um plano de redução de salários e do valor de aposentadorias que já são pagas.

A contribuição dos servidores ativos e inativos, de governo federal, estados e municípios vai aumentar bastante. Nos casos extremos, para quem ganha na casa dos R$ 30 mil, a contribuição efetiva vai aumentar em mais de 40%. Mesmo para o setor privado, a contribuição de quem ganha mais vai subir.

Segundo. Para os trabalhadores do Regime Geral (setor privado, celetistas), em geral a idade mínima pula logo para cerca de 61 anos (homens) e 56 anos (mulheres), com exceção daqueles trabalhadores que têm pelo menos 33 anos de contribuição (homens) e 28 anos (mulheres).

Terceiro. Depois da reforma, o valor das aposentadorias do Regime Geral seria definido por lei complementar. Enquanto a lei não vem, as normas (talvez) provisórias de cálculo vão impedir quase todo o mundo de receber o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). É um achatamento implícito do valor de benefícios.

Quarto. A redução de despesas prevista pela reforma de Jair Bolsonaro é no máximo igual à estimada pela reforma de Michel Temer, na versão original, no que diz respeito ao RGPS.

economia da reforma Bolsonaro está inflada pela economia devida ao fim do abono salarial para quem ganha mais de um salário mínimo. No caso Temer, a economia seria de uns R$ 802 bilhões em dez anos.

No caso Bolsonaro, sem levar em conta a limitação do abono, uns R$ 795 bilhões.

Quinto. De qualquer modo, lei complementar detalharia vários aspectos da reforma. Os valores de economia e benefícios podem mudar.

Sexto. Entre parlamentares e governadores, em especial do Nordeste e Norte, a reforma Bolsonaro está apanhando nos mesmos lugares em que reforma Temer foi golpeada: na redução dos benefícios para idosos miseráveis e do valor das pensões por morte

Se o clima político não mudar muito, a reforma Bolsonaro vai ser lipoaspirada do mesmo jeito que a de Temer, levando um talho de mais de 20% na economia prevista.

Sétimo. O piso do benefício para idosos miseráveis, hoje um salário mínimo, passaria a ser de R$ 400. 
A pensão por morte passa a ser de 50% do valor da aposentadoria de quem morreu, mais 10% por dependente. Essas novas normas redundam em economia de mais de duas centenas de bilhões na reforma. Vão levar chumbo grosso no Congresso Nacional.

Oitavo. A reforma é um avanço na equiparação das aposentadorias de servidores às dos demais trabalhadores. Mesmo servidores que entraram no serviço público antes de 2003, protegidos por outras reformas, vão perder. A idade mínima de aposentadoria dos professores do ensino básico (até o ensino médio) vai subir bem.

Nono. A reforma Bolsonaro federaliza as aposentadorias de policiais militares e bombeiros militares, que saem da competência dos estados e passam a ser assunto de competência da União, do governo federal.

Décimo. Lá no meio da reforma, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) perde 30% da receita anual que recebia do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, bancado por contribuições do PIS/Pasep). São uns R$ 6 bilhões por ano.

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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