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O chamado anti-intelectualismo não é novidade no Brasil. Acostumado a rupturas institucionais tramadas nos bastidores elitistas da velha política, o país tem raiva de análises de conjuntura, métodos qualitativos de investigação científica, empuxos subjetivos que tragam à superfície a lama que forma o piso histórico das profundezas, oferecendo à compreensão humana mínimas doses de realidade concreta e objetiva. Em tempos de retrocesso político (leia-se: desprezo sistemático pelos sentidos da diversidade democrática), o anti-intelectualismo é reforçado pela publicização de ideias que, à primeira vista, podem parecer anedotas de botequim.

O fato é que o Brasil há algum tempo vem se transformando neste estranho país de goiabas azuis. Umberto Eco, anos atrás, em entrevista ao periódico italiano “La Stampa”, afirmou que a internet havia libertado os demônios antes confinados às cercanias de sua insignificância: qualquer um pode opinar por escrito, gravar um vídeo ou publicar fotos em redes sociais, sem nenhum crivo avaliativo, sem obedecer a bons sensos, sem carregar consigo o espírito republicano. Da “deep web” (o mais profundo dos círculos infernais da rede mundial de computadores) hordas resolveram emergir e disseminar uma interpretação descabida da realidade. Vale frisar: uma realidade que elas nunca vivenciaram na es- curidão de suas “visões de mundo”.

Um dos prestigiados líderes dos zumbis da anti-intelectualidade declara a torto e a direito que as escolas não valem nada. Talvez seja por isso que seu indicado para “cuidar” da educação não tenha citado um único professor em seu discurso de posse. Na fala que se seguiu à entrega de faixa ao boi-de-piranha principal, não houve referência às desigualdades sociais que marcam a ferro e fogo a sociabilidade entre as distintas nações que compõem este imenso país. Da mesma maneira, injustiças históricas de um território sedimentado por sangue negro e indígena foram desprezadas. O alvo eram os “comunistas”, esses intrépidos causadores de todo o mal, responsáveis por eleger Paulo Freire o herói dos doutrinadores e o mito do “lixo marxista”. É preciso “mudar tudo isso que está aí”, insiste o desavisado. Ele sabe, contudo, que a mudança não está em sua nostalgia do passado, apesar de ele se esforçar por convencer as pessoas dessa equação impossível.

O futuro não é um pomar de goiabas rosas para meninas e goiabas azuis para meninos. Esse é o cenário principal do latifúndio do passado, cujos proprietários perseguiam aqueles que se insurgiam contra a covardia dos agressores de mulheres, negros, indígenas e pobres. Um dos ainda donos desse latifúndio mandou assassinar Marielle Franco e continua impune, protegido pela indiferença e pelo novo festival de besteiras que assola o país. O futuro poderá ser um “museu de grandes novidades”, se os mesmos ratos da história permanecerem em festa na pomposa piscina da Casa Grande.

Depois de tanto tempo numa insólita batalha do bem contra o mal, é compreensível que grupos fora da bipolaridade eleitoral tenham adquirido relevo e adesão popular. Olhando para a Europa e para os Estados Unidos da América, fica mais fácil entender o fenômeno do “absurdo nascido das urnas”, que se vangloria de ser intolerante à exaustão. Afinal de contas, sem argumentos nem ideias, um inimigo fictício (um professor, um comunista, um estrangeiro, um vestidinho azul etc.) precisa ser declarado e o “apoio” da imprensa e das instituições, “conquistado”. É curioso notar como a horda infernal consegue pautar a agenda de notícias: lendo jornais, vendo TV, acessando a internet, tudo parece assessoria oficial de imprensa, acrítica, anti-intelectual, cuja origem está na chegada ao posto máximo do poder de um sujeito que não deu as caras num único debate franco e público.

O futuro, no entanto, se faz no presente, no mutirão permanente de reconstrução das esperanças. Os verdadeiros democratas estarão todos lá. Sempre.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL

Folha de Londrina