Caso exige resposta cabal e irrefutável em vez de silêncio ou embromação



As explicações, ou melhor, a falta de explicações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, sobre o cheque de R$ 24 mil na conta de sua mulher, Michelle, mostra todo o esplendor da nossa velha, bolorenta, carcomida, decrépita, putrefata política.

Eleito para pôr termo às “práticas do passado” —expressão que repetiu em sua diplomação, nesta segunda-feira (10)—, para mudar tudo isso aí, como se portou Bolsonaro diante da revelação de que um ex-assessor de seu filho Flávio movimentou uma minifortuna em uma infindável triangulação bancária, incluindo o cheque para Michelle?

Depois de um período mudo, afirmou que o dinheiro era o recebimento de uma dívida e que nada declarou à Receita. No mais, disse que não é ele quem tem que se explicar.

E sobre o trabalho que uma filha do assessor exerceu em seu gabinete na Câmara dos Deputados por quase dois anos? “Pelo amor de Deus, pergunta para o chefe de gabinete. Eu tenho 15 funcionários no gabinete!”

Seus futuros ministros também não se saíram muito melhor. OnyxLorenzoni (Casa Civil) deu o velho e bom chilique pra tentar afastar repórter abelhudo. Sergio Moro (Justiça) desapareceu em meio a tchauzinhos em looping na primeira vez em que foi questionado. Na segunda, disse que seu futuro chefe já “apresentou algum esclarecimento”.

Por mais admirável que seja a docilidade que acometeu o coração de Moro desde que ele aposentou a toga, há muito ainda a ser esclarecido.

Uma suspeita de tal gravidade exige satisfação imediata, acompanhada de provas, extratos bancários, testemunhos. O motorista é quem tem que responder? Traga-o à baila. Ou então diga por que ele não dá as caras. Acometeu-se de uma terrível amnésia e não sabe o suposto trabalho que a filha do assessor lhe prestou por quase dois anos? Passe a mão no telefone e pergunte ao seu chefe de gabinete: “Fulano, que raios exatamente fez/fazia a fulana?”.

Se Bolsonaro não vê necessidade em dar essas explicações, me desculpem, não há nada de novo no front.

Ranier Bragon

Repórter especial em Brasília, está na Folha desde 1998. Foi correspondente em Belo Horizonte e São Luís e editor-adjunto de Poder.

Folha de S.Paulo