Jusrista afirma que instituição é fundamental para mediar as relações sociais.

  
Em defesa do Ministério do Trabalho

Maurício Rands - Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

A diarista chama o elevador em um prédio de luxo (ou nem tanto assim) em bairro nobre do Recife. A vizinha do apartamento onde trabalha chega para aguardar a mesma viagem do elevador. A diarista a cumprimenta com um educado bom dia. Para receber de volta um silêncio e um olhar dos pés à cabeça. Cenas como essas revelam que o preconceito ainda não foi superado entre nós. Uma criança criada num condomínio isolado corre o risco de quase nunca travar contato com os comuns do povo, com os que executam o trabalho que seus pais tanto desvalorizam. Muito menos de conhecer onde eles moram e permanecem quando não estão em serviço ou no transporte coletivo que às vezes os faz acordar às 4h da manhã.

Houve um tempo, o do laissez-faire, laissez-passer, em que o empregador não precisava respeitar regras. A jornada, as férias, a remuneração, a assistência, tudo isso estava sob comando unilateral. A insatisfação diante do arbítrio era uma questão de polícia. Veio a Era Vargas e, depois, a Constituição Cidadã de 1988. As condições de trabalho foram regulamentadas. O conflito entre o capital e o trabalho passou a ter canais institucionais de mediação e solução democrática. Entre os quais o sindicato reconhecido, a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho. A própria redemocratização ocorrida na década de 80 beneficiou-se da mobilização e interlocução desses atores do mundo do trabalho.

Hoje estão no âmbito do MT o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que que custeia o seguro-desemprego, e o FGTS, que atenua os efeitos da demissão e investe em habitação e urbanização. Assim como a economia solidária. A fiscalização trabalhista, a cargo dos auditores do trabalho, é fundamental para assegurar a cidadania nos locais de trabalho. Como exemplifica o programa de combate ao trabalho em condições degradantes e análogas ao trabalho escravo. 

Outro papel do MT continua relevante. O da facilitação do diálogo entre o capital e o trabalho. O governo eleito tem falado transversalmente com as bancadas no Parlamento. Ouve as bancadas do agronegócio, dos evangélicos, da indústria das armas. Mas também não deveria dialogar com os sindicatos? Mesmo com a orientação ultraliberal de sua política econômica, ou talvez por causa disso, não deveria buscar um canal de diálogo ou concertação com o mundo do trabalho?

Ao invés de extinguir o MT e fatiar essas atribuições, como tem anunciado, o governo deveria reformar esse aparato. O trabalho mudou com as novas tecnologias, a multimídia e os algoritmos. Toda hora algumas atividades tornam-se obsoletas e outras vão se inventando. As pessoas percebem que têm que se reinventar permanentemente. Foi-se o tempo em que se abraçava um métier por toda a vida. Mas ainda não se eliminou o trabalho humano. E, devido a este último qualificativo, ele está sujeito às nossas imperfeições. Entre elas, a propensão aos abusos. Que são mais prováveis em sociedades desiguais e preconceituosas. 

Onde atitudes como a da moradora do prédio de luxo são enraizadas. Por todas essas razões, nosso país ainda precisa de um MT onde as relações entre estado, empregadores e trabalhadores sejam fiscalizadas, aperfeiçoadas e concertadas. A ideia inicial de extinção do MT precisa ser discutida. Pode ser revertida, o que representaria uma atitude de abertura democrática e sensibilidade à questão social. 

Até porque tem quer ser aprovada por lei votada no Congresso Nacional. É fato que existe uma certa cultura em setores do MT que lhe atraiu criticismos. Às vezes por causa de excessos que imaginam um ‘inimigo’ em cada empregador. Mas essa cultura não é de todos e está mudando. A própria fiscalização já oferece alguns exemplos de profissionais mais sensíveis às dificuldades das empresas em crise. Essa atitude, aliás, precisa ser institucionalizada mediante lei que autorize mais flexibilidade na ação fiscal.

A desigualdade em nosso país ainda é uma chaga a superar. Isso não se consegue transferindo programas e funções estatais do campo do trabalho para outras áreas ministeriais que têm objetivos distintos. Sobretudo para aquelas cuja agenda é sobretudo a do ajuste fiscal, como seria o caso de transferir FAT, FGTS e fiscalização para o Ministério do Fazenda. Embora o país necessite de um ajuste fiscal, não é o caso de jogar fora o bebê com a água do banho.
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Fonte: Diário de Pernambuco