Com tecnologia, empresas financeiras levantam perfil de tomadores de empréstimos para fazer ofertas de crédito

Tássia Kastner
SÃO PAULO

Quando (e se) o cadastro positivo automático virar lei, é provável que o efeito de redução de taxas de juros seja menor do que o alardeado pelos defensores do projeto.

Isso porque novas informações incorporadas à análise de crédito pelasfintechs (empresas de tecnologia do setor financeiro) para competir com os grandes bancos mudaram a forma como o consumidor é avaliado ao pedir empréstimo.

A análise está em relatório do banco Morgan Stanley.

“A falta de um birô de crédito adequado não é mais um obstáculo para avaliar a idoneidade creditícia de pessoas físicas e jurídicas e competir em igualdade de condições com os bancos”, diz a instituição.

Segundo o documento, fintechs brasileiras encontram formas de competir ao acessar dados de contas bancárias e informações públicas do governo —como restituição de Imposto de Renda, histórico trabalhista e de benefícios sociais recebidos— para formar a nota de crédito desse consumidor e decidir se podem emprestar dinheiro a ele.

Além disso, existem fintechs que monitoram a localização de consumidores pelo GPS do celular para traçar um perfil de renda, acrescenta o banco.

“Demorou tanto para ser estruturado [o cadastro positivo] que a importância diminuiu. É uma pena, porque, se tivesse vindo antes, teria impacto maior. Mas não se pode dizer que já não tem importância nenhuma”, diz Karin Thies, sócia da fintech Geru.

Participar do cadastro positivo no Brasil é uma opção do consumidor, na contramão do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos.

O cliente só pode ter dados compilados para a construção do histórico de bom pagador se der autorização expressa a um dos birôs de crédito em atuação no país —os maiores são Serasa, SPC e Boa Vista.

Do contrário, a única informação que as empresas podem armazenar são as de dívidas em atraso.

Segundo Rodrigo Abreu, presidente da Quod, um novo birô de crédito criado pelos cinco grandes bancos brasileiros, o país tem 10 milhões de consumidores que voluntariamente aderiram ao cadastro positivo, 10% do potencial.

Enquanto os birôs tentam convencer consumidores de que aderir ao cadastro positivo reduzirá os juros nos empréstimos, um projeto de lei tramita no Congresso para que a inclusão no cadastro positivo seja automática.

Consumidores que não quiserem fazer parte da base de dados precisão pedir exclusão. O texto-base foi aprovado na Câmara no primeiro semestre, mas faltou a votação dos destaques antes que ele retorne ao Senado.

Apenas após uma segunda votação na Casa ele irá para aprovação presidencial 
—entre executivos das fintechs, não há expectativa de que volte à pauta tão cedo.

“Já que não tem esse tipo de informação estruturada [o cadastro positivo], vamos explorar dados novos e ver de que forma eles realmente contribuem para traçar perfil de crédito”, afirma Thies.

Esse conjunto de informações que antes não era usado na análise de crédito agora é compilado por cada fintech, que cria um escore de crédito próprio ou uma nota atribuída aos consumidores com base no risco de essa pessoa deixar de pagar um empréstimo.

Tradicionalmente, o escore é elaborado pelos birôs de crédito, que vendem essa informação a quem deseja oferecer crédito, mas, como a nota é baseada apenas no dado de inadimplência atual (quem está com o nome sujo na praça), ela é considerada insuficiente para medir risco de calotes.

“As fintechs estão criando seu próprio cadastro positivo usando dados não estruturados com informações do sistema financeiro para conseguir um escore proprietário”, diz Nicolás Arrellaga, presidente-executivo da Nexoos, fintech que adota o modelo peer to peer para emprestar dinheiro a empresas.

O GuiaBolso é a fintech brasileira que desenvolveu o modelo de acompanhamento das movimentações de conta-corrente e cartões de usuários, emulando um pouco do que se espera com o “open banking”.

Ao obter acesso a essas informações, o GuiaBolso organiza o quanto o consumidor ganha e gasta, como um serviço de controle financeiro.

Por trás da ferramenta foi montado um modelo próprio de análise de risco, que é usado na oferta de crédito próprio e por parceiros. Na prática, o GuiaBolso emula parte do trabalho do birô de crédito.

“Essa é uma tecnologia que só o Guiabolso criou”, diz Thiago Alvarez, fundador e presidente-executivo da fintech, em referência à falta de escala para o mercado.

O “open banking” parte do princípio de que os dados financeiros pertencem ao consumidor e que é uma decisão dele, não do banco, compartilhá-la. Na prática, a ferramenta deve reduzir ainda mais a importância do cadastro positivo, dizem as fintechs.

Mesmo assim, executivos dizem que o cadastro positivo continua sendo importante. Parte do negócio das instituições financeiras envolve procurar clientes. Essa busca por potenciais tomadores de crédito é mais difícil sem o cadastro positivo.

“[Sem o cadastro positivo,] Nunca vai ser escalável. Uma coisa é prover crédito para alguns milhares de pessoas, outra para alguns milhões”, afirma Abreu, da Quod.

Fonte: Folha de S.Paulo, 20 de novembro de 2018.