Democratas voltam a ter controle da Câmara nos EUA, o que deve ampliar investigações contra o presidente

Vitorioso nas urnas graças a uma retórica antissistema, combinada a um nacionalismo agressivo, Donald Trump transpôs para a Casa Branca o modus operandi de campanha. A perda da maioria republicana na Câmara dos Representantes, após as eleições legislativas de terça-feira (6), evidencia os sinais de desgaste de tal estratégia.

Depois de oito anos, o Partido Democrata volta a controlar a Casa —a apuração ainda estava em curso na noite de quarta (7), mas estima-se que a legenda deva conquistar cerca de 30 assentos a mais em relação ao último pleito, em 2016.

A oposição tomou dos republicanos distritos em sua maioria urbanos, cujos eleitores têm perfil mais moderado, o que sugere rejeição ao discurso divisivo do presidente.

Há que levar em conta, também, a turbulenta relação de Trump com sua base de sustentação no Congresso. Dezenas de correligionários desistiram de tentar a reeleição por divergências com a Casa Branca, um movimento que facilitou o caminho para o triunfo rival.

Nessa nova configuração, os democratas podem atrapalhar o trâmite de projetos de interesse do Executivo e, o mais importante, ampliar investigações contra Trump, em especial sobre a suspeita de conluio com autoridades russas para favorecê-lo na disputa de 2016 contra Hillary Clinton.

Pode-se argumentar, em contraponto, que a derrota republicana é bem menor que aquelas impostas aos partidários de Barack Obama em 2010 e 2014.

Ademais, elevou-se a maioria governista no Senado, crucial para impedir o avanço de um eventual processo de impeachment vindo da Câmara. Como a remoção de um presidente exige aval de ao menos dois terços dos senadores, essa hipótese, na prática, inexiste.

Nada disso, contudo, permite a Trump classificar de "grande vitória" o resultado das urnas. O mandatário chegou a fazer um aceno protocolar de diálogo com os democratas, mas logo deixou claro que não pretende abdicar de seu modo belicoso de governar.

Afinal, declarou que entenderá como "gesto de guerra" uma investigação por parte dos oposicionistas: "Eles podem jogar esse jogo, mas nós podemos jogar melhor".

É notória a dificuldade do presidente de lidar com questionamentos, e a sombra da apuração do FBI quanto à suposta interferência eleitoral da Rússia tem lhe causado considerável incômodo.

Talvez por prever um quadro desfavorável adiante, Trump retirou nesta quarta Jeff Sessions do cargo de secretário de Justiça. O mandatário fazia críticas abertas a Sessions desde que este se declarou impedido de tomar parte no inquérito sobre o caso russo —atitude vista como traição pelo chefe.

A demissão, ao que tudo indica, só não ocorreu antes porque se temia algum prejuízo aos candidatos republicanos ao Legislativo. Passada a eleição, o presidente não tem mais por que esconder o intuito de sabotar qualquer ação que amplie o escrutínio de sua gestão.

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Fonte: Folha de S.Paulo, 9 de novembro de 2018.