Exibindo completo desconhecimento sobre o assunto, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) disse, nesta segunda (5), que o cálculo do desemprego, feito pelo IBGE, é uma “farsa”. Ele disse ainda que pretende alterar a metodologia. As declarações, dadas em entrevista à TV Band, preocuparam economistas - que temem manipulações de dados no futuro governo - e foram rebatidas, em nota, pelo sindicato nacional de funcionários do instituto de pesquisa (ASSIBGE).

Reprodução do portal CNM
 
“Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil, porque isso daí é uma farsa. Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Nós temos que ter realmente uma taxa, não de desempregados, uma taxa de empregados no Brasil”, disse Bolsonaro na entrevista. 

De acordo com o IBGE, atualmente, 12,4 milhões de pessoas estão em busca de uma vaga no mercado de trabalho, o que significa uma taxa de desemprego de 11,9%. O indicador faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que segue as metodologias recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), das Nações Unidas.

Em resposta à fala do futuro presidente, a ASSIBGE publicou texto em seu site, no qual precisou explicar como é calculada a taxa de desemprego. Informou, por exemplo, que não é verdade que um beneficiário do Bolsa Família entra na estatística de empregado. Os funcionários do instituto esclarecem que o IBGE “segue padrões metodológicos internacionais em suas pesquisas, com a finalidade de que as estatísticas brasileiras sejam comparáveis às dos demais países do mundo”. 

O comunicado ressalta que o instituto é reconhecido dentro e fora do país pela qualidade do seu quadro técnico e pela credibilidade das suas informações. “Dentre os princípios que regem seu funcionamento estão a independência política e a autonomia técnica (...). A metodologia das pesquisas não depende da vontade de qualquer governo, pois somos um órgão de Estado, a serviço da sociedade brasileira”, afirma a nota. Confira a íntegra no final da matéria. 

Em sua conta no Twitter, a economista e professora da USP, Laura Carvalho, afirmou que as afirmações de Bolsonaro exigem atenção contra manipulações e mudanças arbitrárias de dados na futura gestão. 

“Outra coisa que exige toda a nossa atenção é proteger o IBGE de eventuais manipulações de dados por parte do novo governo. Esse tipo de declaração pode abrir espaço pra mudanças metodológicas arbitrárias”, alertou.

A jornalista Mirian Leitão escreveu, em sua coluna em O Globo, que Bolsonaro “deveria procurar entender melhor sobre o assunto antes de falar”. Segundo ela, uma das piores reações que um governante pode ter é brigar com o termômetro. Para Mirian, o futuro presidente revelou que desconhece a metodologia do IBGE. “Uma ameaça de intervenção nas divulgações do instituto provoca preocupação”, disse. 

A também jornalista Flávia Oliveira, comentarista da GloboNews, apontou um “desconhecimento constrangedor” nas falas de Bolsonaro. “A Pnad Contínua está alinhada com determinações da OIT, o que a torna comparável a indicadores internacionais. Trata do mercado de trabalho, não unicamente do desemprego”, rebateu, no Twitter.

Em reportagem de O Globo, Simon Schwartzman, que foi presidente do IBGE de 1994 a 1999, afirmou que Bolsonaro “está mal informado”. “É legítimo o governo levantar a questão, questionar, solicitar estudos, pedir ao instituto que examine sua metodologia e pedir uma proposta de revisão, que deve vir do próprio IBGE. O que não pode é vir uma determinação de cima, impondo como deve ser. Isso tem como consequência a desmoralização e uma descrença nos dados”, disse. 

Leia a íntegra da nota da ASSIBGE:

Esclarecimentos sobre a taxa de desemprego calculada pelo IBGE

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, criticou publicamente a metodologia de cálculo da taxa oficial de desemprego, classificando-a de “farsa”. Em sua entrevista à Band, Bolsonaro disse que as pessoas que recebem Bolsa Família e seguro-desemprego seriam considerados empregados pelo IBGE. Acrescentou ainda que é preciso mudar a metodologia da pesquisa, para formular uma “taxa de empregados”, e não de desempregados.

A este respeito, a ASSIBGE-Sindicato Nacional tem a informar que:

- O IBGE segue padrões metodológicos internacionais em suas pesquisas, com a finalidade de que as estatísticas brasileiras sejam comparáveis às dos demais países do mundo;
- Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua), principal fonte de informação do IBGE sobre mercado de trabalho, são consideradas ocupadas (“empregadas”) as pessoas que, na semana de referência da pesquisa, trabalharam por ao menos uma hora em atividade remunerada diretamente ou em ajuda à atividade remunerada de outro membro do domicílio.
- Sem as condições acima citadas, pessoas que recebem bolsa família, que não procuram trabalho há mais de um ano ou que recebem seguro desemprego não são classificadas automaticamente como “empregadas”.
- A taxa de desemprego inclui todos os indivíduos com 14 anos ou mais, que procuraram trabalho na semana de referência da pesquisa e não encontraram, sejam como empregados, como empregadores ou por conta-própria;
- Os indivíduos que, em idade ativa, desistiram de procurar trabalho são incluídos na categoria de “desalentados”;
Além do “emprego” e do “desemprego”, há outras categorias para melhor compreender o comportamento do mercado de trabalho, como a subutilização da força de trabalho;
- Todos estes indicadores são calculados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que recolhe dados de mais de 211 mil domicílios em 3.500 municípios brasileiros.

O IBGE é reconhecido nacional e internacionalmente pela qualidade do seu quadro técnico e pela credibilidade das suas informações. Dentre os princípios que regem seu funcionamento estão a independência política e a autonomia técnica na definição de suas metodologias. A intervenção política em órgãos oficiais de estatísticas já se mostrou desastrosa para a credibilidade de instituições de pesquisa, como ocorreu recentemente na Argentina.

O corpo técnico do IBGE nunca foi fechado à contribuição da sociedade brasileira para o aperfeiçoamento das suas pesquisas. A própria implementação da PNAD Contínua foi resultado de discussões no âmbito do Fórum do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SPID), que remontam a 2006.

A metodologia das pesquisas não depende da vontade de qualquer governo, pois somos um órgão de Estado, a serviço da sociedade brasileira.

Aproveitamos a oportunidade para alertar mais uma vez à sociedade brasileira e ao próximo governo que o IBGE necessita, urgente, de concurso público para pessoal efetivo, reestruturação do plano de carreira de seus funcionários e de verbas, inclusive para dar conta das tarefas do Censo 2020, levantamento estratégico para o país.

Nossa missão é “Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania.” Continuaremos a fazê-lo com a dedicação de sempre, mesmo que isso não agrade aos governantes. Os políticos passam, a credibilidade do IBGE fica!

Desde já nos colocamos à disposição para mais esclarecimentos que se façam necessários, através dos diretores da Executiva Nacional da ASSIBGE-SN.

ASSIBGE – Sindicato Nacional

Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2018.


Do Portal Vermelho