O renomado jurista argentino Raúl Zaffaroni, ex-membro da Corte Suprema de seu país avalia que a Argentina de Maurício Macri está “diante da possibilidade de um colapso”, segundo ele, “previsível”.

Pablo Piovano
Para Zaffaroni a Argentina vive hoje uma crise financeira equivalente apenas à de 2001, quando o país quebrou completamente e cinco presidentes passaram pela Casa Rosada em poucas semanasPara Zaffaroni a Argentina vive hoje uma crise financeira equivalente apenas à de 2001, quando o país quebrou completamente e cinco presidentes passaram pela Casa Rosada em poucas semanas
Em entrevista à Radio 10 de Buenos Aires, o jurista avaliou o cenário político e afirmou que o presidente neoliberal não fez nada além de endividar o país. Agora, portanto, “o poder está nas mãos dos CEOs das multinacionais, do capital financeiro não produtivo”. Nesse sentido, opinou que há um “totalitarismo financeiro” que afeta todos os países. Como consequência disso, “se esvazia a política a favor do endividamento, para assim esvaziar a democracia”.

Em sua análise, Zaffaroni diz que “este governo assumiu o objetivo de endividar o país, e o cumpriu”. O magistrado fez um mea culpa, ao dizer que “aconteceu o que eu pensei que aconteceria, mas foi mais rápido do que eu imaginava, me surpreendeu”. Em sua reflexão, ele considera que o macrismo deixa a Argentina “na mesma situação de 2001, em apenas dois anos e meio de governo, enquanto a crise de 2001 se produziu após vários anos de endividamento”. Ademais, não duvidou em afirmar que “hipotecaram o país de forma astronômica”, novamente em referência ao governo de Macri.

Sobre a atuação do Poder Judiciário, o ex-juiz disse que “há um setor da Justiça Federal que atua, e outro que é culpado pela omissão e pelo desprestígio de alguns poucos”. Considera que “o setor que atua nem sempre o faz corretamente, e chegou a limites como a coação”, e também lembrou o uso das prisões preventivas. Categórico, manifestou que “a Constituição diz que ninguém pode testemunhar contra de si mesmo, mas nós estamos vendo casos em que algumas pessoas, se não se auto incriminam, vão à prisão, e isso é nulo em termos jurídicos. Há um caso claro de abuso de autoridade”.

A respeito da causa dos cadernos envolvendo empresas de construção civil e contratos com o governo dos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner, Zaffaroni acredita que há algo de estranho no contexto que envolve o empresariado. “Não assumo a defesa de ninguém, mas este empresariado, que tem suas coisas obscuras, é único elemento que temos, e me refiro às declarações, não a documentos. É preciso cuidado na hora de desarmar esse esquema, porque uma coisa é agilizar a investigação, outra é, a partir disso, afetar a dinâmica da construção civil no país, porque o problema não é promover o socialismo, e sim a chegada das multinacionais do setor”. Nessa linha, alertou sobre o perigo de “quebrar empresas cuja renda fica no país e geram trabalho”.

Também se referiu ao caso de Sheila Ayala – uma menina de 10 anos encontrada morta perto da casa de seus tios, com sinais de que teria sido estuprada e estrangulada. Afirmou que “a maioria dos delitos sexuais são intrafamiliares, e é muito difícil quantificá-los”. Ademais, “ocorrem em distintas classes sociais”.

Zaffaroni diz ter visto com entusiasmo o ato realizado pelas organizações sociais argentinas em Luján – cidade onde se realiza todos os anos um evento religioso e social, parecido à peregrinação à Aparecida do Norte, e que este ano teve como tema a insatisfação com os efeitos provocados pelo governo de Mauricio Macri. “É bom que as pessoas se manifestem, é uma catarse, e evita a violência”. Acrescentou que “por trás do que vivemos atualmente, há um totalitarismo aberrante, que busca controlar as sociedades a partir das regras do mercado”, e apontou também à responsabilidade “dos meios hegemônicos e monopilizados de comunicação, que alimentam e fazem circular os discursos que terminam em figuras como a de Bolsonaro”.

Finalmente, falou sobre o conflito na Corte Suprema, da qual ele fez parte, e que agora vive um embate entre o recentemente aposentado ex-presidente Ricardo Lorenzetti e o seu substituto, Carlos Rosenkrantz. “Sei do que acontece pelo que sai nos jornais. Creio que se perderam os modos, mas não sei o que realmente ocorre internamente”. Contudo, recordou que, em seus tempos no máximo tribunal, “tínhamos diferenças, mas sempre dialogávamos, buscando manter a imagem que a Corte deveria projetar”. 

Do Portal Vermelho, com Página/12, 26 de outubro de 2018.