Em dez decisões econômicas no Congresso, deputado e partido votaram igual em seis

Faltando poucos dias para o segundo turno das eleições presidenciais, os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) subiram o tom das críticas mútuas, buscando demarcar as inúmeras divergências.

Uma análise histórica mostra, contudo, que as diferenças não são tão grandes num tema vital: a economia.

A Folha selecionou dez votações que mudaram o rumo da política econômica brasileira e comparou o voto de Bolsonaro, que foi deputado federal durante 27 anos, e a orientação do PT à sua bancada no Congresso. Não foi possível contrapor dois partidos porque Bolsonaro mudou de agremiação nove vezes.

Nessa dezena de temas pesquisados —que compreende do Plano Real até a apreciação do cadastro positivo, no ano passado—, Bolsonaro e PT estiveram do mesmo lado seis vezes e ficaram em trincheiras separadas outras quatro.

"O mercado financeiro não fez esse trabalho de comparação e, se fez, prefere se apegar no que diz o Paulo Guedes", diz Alessandra Ribeiro, sócio e diretora da Tendências Consultoria, em referência ao guru econômico do candidato do PSL.

Em 1994, PT e Bolsonaro fizeram oposição ao presidente Itamar Franco, que tentava estabilizar a moeda e controlar a inflação com o Plano Real.

O deputado votou contra o plano de estabilização da moeda, e o PT instruiu sua bancada a tentar obstruir a votação, pois sabia que não teria número suficiente para derrotar a proposta.

Bolsonaro também votou com o PT e com a esquerda em sua cruzada contra as privatizações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em 1995, ambos disseram não ao fim do monopólio da exploração do petróleo pela Petrobras e à venda da estatal de telefonia, a Telebras.

Em 1998, o deputado e o partido que hoje ele demoniza também se opuseram à reforma da Previdência de FHC.

O tucano tentou introduzir uma idade mínima de aposentadoria no país, não conseguiu por um único voto e acabou criando o fator previdenciário —um método de cálculo do benefício que desestimula a aposentadoria precoce.

Durante a década de 1990 e o início dos anos 2000, Bolsonaro e o PT só discordaram em uma ocasião em temas econômicos relevantes: na votação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), em 2000, que estabeleceu que o Estado não pode gastar mais do que arrecada. O deputado votou a favor, enquanto o PT foi contra.

"A coincidência nos votos do PT e de Bolsonaro não causa surpresa. A extrema direita, personificada por Bolsonaro, e a esquerda desenvolvimentista, corrente que o PT sempre defendeu, são parecidas na economia. Defendem o Estado forte e interventor", diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

Após a chegada do PT ao poder, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, as posições de Jair Bolsonaro e do Partido dos Trabalhadores se distanciaram, mas foi o PT que adotou um viés econômico mais liberal por puro pragmatismo.

1994

Plano Real

1995

Flexibilização do monopólio do petróleo

1995

Fim do monopólio das telecomunicações 

1998

Reforma da Previdência de FHC

2000

Lei da Responsa-bilidade Fiscal

Bolsonaro

contra

contra

 contra

 contra

 a favor

PT

contra  

contra

contra

contra

contra

= = = =

2003

Reforma da Previdência   de Lula

2015

Mudança do indexador da dívida de estados e municípios

2016

Teto de gastos

2017 

Reforma trabalhista

2018 Cadastro positivo

Bolsonaro contra a favor a favor  a favor  contra
PT a favor a favor contra contra contra
= =


Bolsonaro seguiu firme a toada do estatismo e, em especial, na defesa dos benefícios para os servidores públicos.

Em 2003, o PT orientou sua bancada a votar a reforma da Previdência proposta pela equipe econômica do ex-ministro Antonio Palocci, que acabou com a aposentadoria integral para os funcionários públicos em início de carreira.

Bolsonaro foi contra.

Durante as gestões de Lula e Dilma Rousseff, o deputado só votaria a favor de medidas apresentadas pelo governo do PT quando favoreciam servidores ou representavam benesses para setores específicos.

Nesse período, o deputado subscreveu medidas que elevaram os gastos públicos, preferindo se distanciar de propostas de ajuste fiscal.

Bolsonaro votou contra, por exemplo, a prorrogação da CPMF em 2007, imposto que acabaria extinto pelo Senado, representando a maior derrota política de Lula.

Mas votou a favor do aumento do número de setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos, medida proposta por Dilma em 2012 e ampliada por deputados, que resultou em enorme perda de receita.

Bolsonaro só foi mudar de posição para valer quando Michel Temer assumiu o governo com o impeachment de Dilma, em 2016.

Naquele momento, o deputado coloca em movimento a estratégia de se contrapor aos petistas para além de questões sociais e de costumes —seara em que sempre discordaram— já de olho em sua candidatura presidencial.

Fora do governo, o PT, por sua vez, voltou às raízes desenvolvimentistas.

Bolsonaro votou, em 2016, a favor do teto de gastos, medida que congela as despesas públicas, e, em 2017, aprovou a reforma trabalhista de Temer.

A reforma promoveu mudanças importantes na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como a limitação da Justiça gratuita.

O PT, como esperado, orientou sua bancada a votar contra nos dois casos.

Mais recentemente, os dois lados voltaram a concordar em apenas um tema: o cadastro positivo, uma espécie de banco de dados de consumidores adimplentes à disposição de birôs de crédito e de instituições financeiras e que, segundo especialistas, pode ajudar a reduzir os juros.

O PT foi contra, e Bolsonaro também.

"Na economia, o PT é uma coisa quando é governo e outra quando está na oposição. Já Bolsonaro nunca foi um liberal. Sua conversão é recente", diz Juan Jensen, sócio da consultoria 4E.

Para ele, o mercado está dando o benefício da dúvida justamente porque a seu lado está Paulo Guedes, o economista formado na Universidade de Chicago.

Para Ribeiro, da Tendências, não é possível falar nem que é o pouco que se sabe do plano econômico de Guedes que vem fazendo a diferença para o mercado. É a sua orientação liberal que conta.

"O plano que se conhece, no fundo, não para em pé", diz.

Ribeiro lembra que o programa intenso de privatizações sugerido por Guedes para financiar o período de transição da reforma da Previdência —de um regime de repartição para um regime de contas individuais— e para quitar parte da dívida pública já foi desidratado pelo próprio Bolsonaro.

O viés militar-desenvolvimentista do candidato também fica claro, diz Ribeiro, quando ele fala que o setor de energia é estratégico ou quando diz ter receio de vender ativos aos chineses.

"Ele é um recém-convertido ao liberalismo, e as incongruências aparecem", diz Ribeiro.

Para Jensen, da 4E, o mercado está dando o benefício da dúvida a Bolsonaro, mas, se o "casamento" com Guedes não der certo, não haverá nenhuma garantia de que ele nomeará um outro ministro liberal.

Segundo o analista, os investidores sabem desse risco, por isso, apesar do bom desempenho, a Bolsa, os juros e o câmbio ainda estão longe do patamar que poderiam alcançar. Além disso, os investimentos na economia real não reagiram.

A Tendências tem a avaliação de que o risco de um cenário mais pessimista se impor é alto: 35%.

Nesse cenário, diz Ribeiro, o nível alto de conflitos dentro da equipe econômica de Bolsonaro levaria Guedes a deixar o governo. Com isso, a reforma mais desejada —a da Previdência— só sairia do papel mais para o fim do mandato.

No cenário mais provável, porém, Guedes abandona o plano "que não para em pé" e abraça a reforma de Temer. É isso que faz com que o chamado mercado prefira o candidato do PSL ao PT no domingo (28).

Fonte: Folha de S.Paulo, 24 de outubro de 2018.