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Poucos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral foram tão impactantes como o que no início desse mês impediu o candidato Luiz Inácio Lula da Silva de concorrer à presidência. E não apenas porque ele encabeçava pesquisas de intenção de voto, mas, principalmente, porque um novo entendimento adotado pelos julgadores naquele caso está afetando candidaturas de todos os cantos do Brasil.

“O TSE considerou o alcance mais restrito à expressão sub judice, reconhecendo que, após o seu julgamento pelo indeferimento do registro de candidatura impugnado, deve ser afastada a incidência da norma contida no artigo 16-A, da Lei nº 9. 504/97, Lei das Eleições, que dispõe que o ‘o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral’”, explica a advogada eleitoralista Juliana Freitas. “O julgamento impactou as instâncias inferiores que integram a Justiça Eleitoral, ainda que eu considere que, por se tratar da manifestação do direito fundamental político de se candidatar a um cargo político eletivo, a última instância recursal, no sistema jurídico interno brasileiro, é o Supremo Tribunal Federal (STF)”.

“Sem nenhuma dúvida o julgamento teve impacto junto aos Tribunais Regionais. Apenas para citar exemplo, o TRE-RJ, ao indeferir o registro de Athony Garotinho ao cargo de Governador do Estado, afastou, como fez o TSE no caso de Lula, a aplicação do art. 16-A da Lei n. 9. 504/97, de modo a obstar-lhe de seguir praticando atos de campanha”, exemplifica Yuri Barroso, professor de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Amazonas. “Penso ser inapropriada a aplicação da tese pelos Tribunais Regionais. Isto porque estes não julgam os requerimentos de registro em única ou última instância; e, também, porque o indeferimento do
registro está sujeito a recurso ordinário ao qual o próprio Código Eleitoral, no art. 257, §2º atribui efeito suspensivo, ainda que assim não o diga expressamente”.

Outro caso veio do TRE de Rondônia, que indeferiu o pedido de registro de candidatura de Hosana Pinto ao cargo de deputada estadual, sob o fundamento da ausência de comprovação da desincompatibilização necessária para garantir-lhe a elegibilidade. “Essa Corte Regional seguiu o entendimento do Superior para restringir os atos de campanha daqueles com registros indeferidos por uma Corte Regional, e, em decorrência do efeito cascata do caso Lula, determinou o impedimento da candidata de continuar os atos de campanha, em particular, de seguir com a sua participação nos programas gratuitos veiculados no rádio e na televisão”, diz Freitas. Logo depois, em ação cautelar ajuizada perante a instância superior, sob a relatoria do Min. Jorge Mussi, foi deferida a liminar para suspender os efeitos desse acórdão, por considerar que a aplicação do 16-A deve ser observada até decisão em única ou última instância do Tribunal Superior.

Sobre esta liminar, Barroso concorda: “De fato, é apenas com a decisão do TSE, e isso tem sido assim em matéria de indeferimento de registro e em outras, como cassação de registro ou diploma e realização de eleições suplementares, que o comando decisório da Justiça Eleitoral se torna exequível. Fora isso, é como eu disse – os Regionais não julgam em única ou última instância, sem falar que o art. 16-A da Lei n. 9.504/97 está em pleno vigor”. Por outro lado, Juliana Freitas levanta uma questão importante: “Como reverter os danos gerados em virtude do afastamento da candidata, por mais exíguo que tenha sido esse tempo, numa campanha que já é realizada às pressas, com uma série de limitações impostas pela legislação eleitoral?”

O descompasso na jurisprudência é ameaça à segurança jurídica, e a Constituição Federal protege especialmente a estabilidade em período eleitoral. Ambos os especialistas entrevistados citam o art. 16 da CF, que manda: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

“Para que não houvesse violação à igualdade formal, e, portanto, para que as decisões respaldadas no mesmo texto normativo fossem aplicadas no mesmo sentido, uma viragem jurisprudencial justificar-se-ia desde que houvesse alteração na legislação, o que não pode acontecer em virtude do artigo 16”, aponta Freitas. No mesmo sentido, Barroso destaca que “em matéria eleitoral, sobretudo dentro do período eleitoral, penso que a questão se torna ainda mais sensível, porque é de todo necessário que os participantes do processo eleitoral conheçam as regras do jogo e que elas permaneçam estáveis ao longo de todo ele. Essa compreensão decorre até mesmo do art. 16 da Constituição da República, que muito embora seja direcionado ao legislador infraconstitucional e não ao Poder Judiciário, deixa evidente a necessidade de proteger o ambiente eleitoral de mudanças repentinas e casuísticas”.

Diante do impasse, resta acompanhar as próximas decisões dos magistrados e torcer para que o sistema encontre alguma estabilidade. “O que falar sobre segurança jurídica diante de um contexto tal que não existem critérios para a construção jurisprudencial de uma Corte Regional, por exemplo, que numa saga pela conveniência consegue reunir, numa mesma decisão posicionamentos hermenêuticos e sistêmicos absolutamente contrapostos e dissonantes?”, questiona Freitas. “Permitir que os Regionais Eleitorais antecipem a restrição ao exercício dos direitos previstos na legislação eleitoral, sem o prévio esgotamento dos órgãos que compõem esse segmento especializado da justiça, é fulminar de morte mais um dos tantos já aniquilados direitos fundamentais previstos na Constituição Federal”.

Texto produzido em parceria com o Eleitoralize, site dedicado à cobertura das regras eleitorais produzido por estudantes de Direito do Mackenzie.

 é jornalista, estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e editor-chefe do site Eleitoralize.

Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2018.