Fome aumenta e alcança 821 milhões de pessoas em 2017, o que aponta um retrocesso a níveis de 2010

 
Os dados reunidos no relatório "A Segurança Alimentar e a Nutrição no Mundo" da ONU, publicado na terça-feira (11), confirmam que não é um aumento isolado; ainda que os especialistas resistam em falar de uma mudança de tendência, já são três anos seguidos de aumento.

Os conflitos, os eventos climáticos extremos e as crises econômicas são os principais responsáveis por essa regressão, de acordo com o estudo elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) junto com outras quatro agências da ONU. 

As graves secas ligadas ao forte fenômeno El Niño de 2015 e 2016 seriam culpadas. Sem água, as plantações e o pasto aos animais não crescem. Isso significa que, nos países altamente dependentes da agricultura, milhares de pessoas ficam sem alimentos suficientes para comer e sem fonte de renda para comprar comida no mercado. A falta de chuvas, de fato, causa mais de 80% dos danos e perdas totais na produção agrícola e de gado. Como solução, a FAO sugere a necessidade de fortalecer a capacidade das pessoas de se adaptar, resistir e enfrentar uma adversidade climática. 

A maioria dos países que enfrentam crises alimentares relacionadas ao clima (20 de 34) atravessa contextos de paz. Mas quando os choques climáticos ocorrem em áreas de conflito, a crise humanitária se agrava. Isso aconteceu nos 14 países restantes, entre eles, os que estão nas margens do lago Chade (Níger, Nigéria, Camarões e Chade), onde 10,7 milhões de pessoas precisam de ajuda para sobreviver todos os dias pela espiral de violência do terrorismo do Boko Haram e as secas. No Sudão do Sul foi declarada a fome. O Iêmen chega perto dessa situação, uma vez que sofre devido a guerra encabeçada pela Arábia Saudita. 

A África foi a região onde a fome assolou em maior proporção: quase 21% de sua população estava subalimentada no ano passado, 256 milhões de pessoas. Em termos absolutos, a Ásia lidera com 515 milhões, 11,4% de seus habitantes. Conflitos e eventos climáticos não seriam os únicos motivos para o crescimento da fome: a marginalização, a desigualdade e a pobreza também fazem com que as pessoas não tenham acesso a uma alimentação suficiente e nutritiva em países que não sofrem com nenhum fator climático ou guerras.

As estatísticas e a realidade que refletem vão em direção contrária ao objetivo marcado na Agenda 2030 da ONU: conseguir erradicar a fome até essa data. É urgente encontrar soluções, novas ou conhecidas, para atingir as metas que a comunidade internacional colocou em matéria alimentar para 2030. Em somente três anos, o avanço conseguido na luta contra a fome desde 2003 foi revertido, de tal maneira que em 2017 existia exatamente a mesma quantidade de famintos que em 2010. 

Outros indicadores do estado alimentar e nutricional no mundo também não estão melhores. As prevalências de anemia em mulheres em idade reprodutiva e a obesidade em adultos também aumentam. Segundo o relatório, o número de adultos obesos não para de crescer desde 1975. 

Em resumo: há mais famintos e mais obesos no mundo. Ainda que os primeiros se concentrem praticamente nas nações pobres, os segundos não vivem exclusivamente nas ricas; de fato, é um problema de saúde pública crescente em países em desenvolvimento. Uma explicação para essa contradição, segundo os pesquisadores, seriam as mudanças demográficas, sociais e econômicas rápidas em muitos países de rendas baixas e médias, que levaram a uma maior urbanização e uma alteração dos estilos de vida e dos hábitos, que se inclinaram a um maior consumo de comida processada e hipercalórica, com um alto conteúdo de gorduras saturadas, açúcares e sal, e um baixo conteúdo de fibras.

O encarecimento de determinados alimentos também está relacionado com esse fenômeno. “Os mais nutritivos e frescos são os mais caros e os que têm menos recursos tendem a comprar outros mais calóricos e de pior qualidade nutricional”, diz Sánchez-Cantillo, da FAO. 


Do Portal Vermelho, com informações do El País, 14 de setembro de 2018.