Associações que comemoraram a decisão do STF sobre a validade da idade de corte para matrícula escolar também estimam ganhos no desempenho dos alunos em teste

Os preparativos para o próximo ano letivo no ensino fundamental (EF) estão em marcha lenta em todo o país, no aguardo da publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) com a decisão sobre a validade da norma que exige que o aluno complete 6 anos de idade até 31 de março para a matrícula nessa etapa. Como não há prazo para isso ocorrer, a expectativa é que o Conselho Nacional de Educação e os conselhos estaduais se posicionem o mais breve possível, orientando os procedimentos para 2019. De todo modo, entidades que militam pelo direito à educação comemoraram o resultado do julgamento, que, além dos efeitos imediatos sobre as crianças, podem impactar positivamente no desempenho escolar medido pelas provas nacionais no longo prazo. 

Para essas entidades, a decisão do STF garante que crianças de 5 anos permaneçam na educação infantil, que tem como premissa a obrigação de cuidar, associada ao educar, com interações e brincadeiras norteando a transmissão de conteúdo, o que é considerado essencial para o pleno desenvolvimento nessa idade. O CNE, que definiu em 2010 a data de corte de 6 anos em 31 de março, defende que somente as crianças que atingiram a maturidade necessária no início do ano letivo tenham acesso ao conteúdo do EF. Também fica valendo a idade de corte de 4 anos completos até 31 de março para ingresso na educação infantil. 

Apesar das determinações do CNE, muitas decisões judiciais suspenderam a data de corte em estados brasileiros. Um levantamento publicado em abril de 2018 pela organização Todos pela Educação, “Reflexões sobre Justiça e Educação”, mostrava que 14 estados seguiam a resolução nacional; esse número, porém, é incerto, pelas idas e vindas das decisões em cada localidade. Os embates judiciais, na verdade, remontam a cinco anos antes, quando foi implantando o EF de nove anos no Brasil. Como cada estado tinha um entendimento, buscou-se uma regra nacional, que também foi contestada. 

A decisão do STF, declarando constitucionais as regras do CNE sobre o tema, foi comemorada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que representa os secretários da área das 5,5 mil cidades brasileiras. “A Undime reforça que a declaração de constitucionalidade demonstra a sensatez do Poder Judiciário na solução da questão e o compromisso da Corte com o acesso à educação básica na idade adequada”, informou a associação em nota enviada pela assessoria de imprensa. A Undime aguarda algum posicionamento do CNE com orientações sobre a aplicação da norma. 

Pesquisas 

“Além dos benefícios para a criança, esse alinhamento nacional em torno de 31 de março é fundamental para a gestão da política pública”, observa a consultora do Todos pela Educação Alessandra Gotti, doutora em Direito. “Um critério único vai permitir uma comparação mais exata dos resultados das escolas nos diferentes estados, permitindo a alocação de recursos e medidas para que haja nivelamento de qualidade nas escolas a partir da proficiência das crianças”, explica. 

Pesquisas científicas realizadas em muitos países mostram que, no longo prazo, uma diferença de idade de ingresso no EF interfere nos resultados de testes padronizados, como a Prova Brasil (realizado no 5º e 9º ano do EF) ou o Pisa (Programme for International Student Assessment, na sigla em inglês, aplicado de forma amostral em estudantes a partir do 7º ano do EF na faixa etária de 15 anos). Em artigo escrito no início deste mês por Alessandra e Alejandra Velasco, sócia-efetiva do Todos pela Educação, é destacado um estudo a partir de resultados de alunos do 5º ano na Prova Brasil.

“Realizar a prova com um ano de idade a mais pode se traduzir em um aumento de 17-20 pontos na proficiência média. Ou seja, redes de ensino que determinaram uma data de corte de espectro mais amplo, admitindo crianças mais novas no ensino fundamental, foram penalizadas nos resultados nas avaliações nacionais de larga escala, como a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e a Prova Brasil”, sustentam. 

Os pesquisadores Armando Chacón e Pablo Arturo Peña, sócios da consultoria especializada Microanalitica, do México, escreveram a respeito disso que “estudos mostram uma relação positiva entre a idade relativa dos estudantes e os resultados das provas padronizadas. Alunos que, por seu mês de nascimento, ingressaram no primeiro ano da Educação Básica relativamente mais velhos que seus colegas apresentam desempenho maior do que o dos colegas”, e que esse achado é consistente em “diversos países, etapas de ensino e sistemas de avaliação”, conforme publicação de 2014 feita a pedido do Todos pela Educação. 

Um dos estudos mais amplos, publicado em 2010 por Maresa Sprietsma na Education Economics, com dados do Pisa de 16 países, mostrou que a idade relativa tem um efeito positivo nos testes, ocorrendo pela “retenção de ano ou pelo início tardio entre as crianças mais novas”. Também nesse ano, Claire Crawford, Lorraine Dearden e Costas Meghir mostraram que na Inglaterra o mês de nascimento interfere nos resultados de testes realizados com 7, 11, 14 e 16 anos, com “crianças mais novas desempenhando significativamente pior, na média, do que os pares mais velhos”. 

Mais recentemente, em 2016, Peña voltou ao assunto na Economics of Education Review, analisando dados específicos do México, e voltou a afirmar que “Os alunos mais velhos têm uma vantagem considerável nas pontuações dos testes em relação aos colegas mais jovens”. Citando esse e outros estudos, em 2017 os pesquisadores John Bai, Linlin Ma, Kevin Mullally e David H. Solomon resumiram a literatura a respeito do tema afirmando que “indivíduos relativamente mais jovens (ou seja, nascidos logo antes do corte escolar e, portanto, os mais jovens da sua classe) tendem a ter uma variedade de piores resultados no mercado de trabalho, salários, taxas de desemprego mais altas e menor probabilidade de frequentar a faculdade”.  

Conselho Estadual discute impacto no Paraná 

Entre os dias 13 e 17 de agosto ocorre a reunião mensal do Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE-PR), que, entre outras coisas, vai discutir sobre o impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que validou as normas sobre data de corte em 31 de março. A assessoria jurídica do colegiado explica que a publicação do acórdão pelo STF é fundamental para a definição do planejamento escolar em 2019, mas já prevê discussões a respeito do assunto, de grande impacto sobre as escolas públicas e privadas. 

No Paraná, uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual (MP-PR) suspendeu o corte etário, em decisão proferida pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba em 2012. Em 2015, com a aprovação do Plano Estadual de Educação, foi aprovada lei que estipulava novamente a data de corte de 31 de março para ingresso na educação infantil (4 anos completos) e ensino fundamental (6 anos completos). O CEE-PR emitiu um parecer favorável à data de corte, mas o MP-PR voltou a reiterar que o que valia era a decisão judicial. 

Na quarta-feira passada (8), após a decisão do STF, o MP-PR informou que a publicação do acórdão deve especificar como será a aplicação da data de corte. Enquanto isso, as redes pública e privada permanecem no aguardo para planejar o ano letivo de 2019. A prefeitura de Curitiba, por exemplo, costuma fazer um cadastramento escolar entre agosto e setembro, para estimar a quantidade de famílias interessadas em uma vaga nas escolas municipais. Esse processo pode ter atraso neste ano.

Fonte: Gazeta do Povo, 14 de agosto de 2018.