DIREITO RETROCEDIDO

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A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, suspendeu a resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que prevê que operadoras de planos podem cobrar dos segurados até 40% do valor de cada procedimento médico. A decisão não é definitiva, uma vez que ainda pode ser apreciada pelo Plenário. O relator da ação é o ministro Celso de Mello.

Segundo a ministra, normas editadas pelos órgãos e entidades administrativas não podem inovar a ordem jurídica, ressalva feita à expressa autorização constitucional, e não com o objetivo de restringir direitos fundamentais.

Na decisão, Cármen Lúcia destacou que saúde não é mercadoria.
Carlos Moura/SCO/STF

"A edição de norma administrativa que inaugura situação de constrangimento a direito social fundamental, como é o caso da saúde, não apenas pode vir a limitar esse direito, mas também instala situação da segurança e da confiança no direito e do direito, o que tem contribuído para a instabilidade das relações sociais brasileiras e, mais ainda, tem minado a confiança dos cidadãos nas instituições públicas", salientou.

A resolução editada pela ANS define regras para duas modalidades de convênios médicos: a coparticipação, quando o cliente arca com uma parte dos custos do atendimento toda vez que usa o plano de saúde, e a franquia, similar a de veículos.

Antes da resolução, não havia a definição de um percentual máximo para a coparticipação em cada atendimento. O texto da nova resolução previa que todas as cobranças com franquia e coparticipação estivessem sujeitas a um valor máximo por ano. Esse limite poderá ser aumentado em 50% no caso de planos coletivos empresariais.

Saúde não é mercadoria
Na decisão, Cármen também afirma que saúde não é mercadoria. "Além disso, vida não é negócio e dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados", criticou.

O cuidado jurídico em relação à saúde, diz, é objeto de lei. "No estado democrático de direito, somente com ampla discussão na sociedade, propiciada pelo processo público e amplo debate, permite que não se transformem em atos de mercancia o que o sistema constitucional vigente acolhe como direito fundamental e imprescindível à existência digna."

O pedido de suspensão partiu do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que criticou o modelo de novos entendimentos da resolução. "Pode significar limitação do atendimento e retardo do diagnóstico, resultando dessas escolhas ‘trágicas’ que consumidores vão procurar o sistema já doentes e com diagnósticos incompletos, anulando, portanto, quaisquer medidas preventivas", afirmou a entidade.

Além disso, a OAB afirma que a ANS invadiu as competências do Poder Executivo e do Poder Legislativo ao regulamentar a matéria. Ao comemorar o acolhimento da liminar, o presidente do Conselho Federal, Claudio Lamachia, afirmou que a resolução “institui severa restrição a um direito constitucionalmente assegurado (o direito à saúde) por ato reservado à lei em sentido estrito, não a simples regulamento expedido por agência reguladora”.

Na ADPF, a OAB ainda argumentou que o texto da ANS fere o preceito da separação de Poderes, o princípio da legalidade e o devido processo legislativo. Lamachia defendeu ainda a necessidade de revisão do papel das agências reguladoras, que atuam como parceiras das empresas que deveriam estar fiscalizando. “Esses órgãos passaram a ser ambientes para a troca de favores entre partidos, muito pouco ou nada fazendo em prol da população”, destacou.

Clique aqui para ler a decisão.
ADPF 532

*Texto alterado às 14h11 do dia 16/7 para acréscimo de informações.

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 17 de julho de 2018