Elevação de até 100% nos custos de transporte pode ter o efeito colateral de aumentar as frotas próprias, já comuns entre grandes produtores e cooperativas

Diante da possibilidade de arcarem sozinhos com a maior parte do aumento de custos imposto pela tabela de fretes do governo, agricultores e cooperativas começam a discutir a alternativa de investir em frota própria de caminhões.

“Estão empurrando o mercado para esse lado. Se continuar assim, o produtor vai começar a comprar caminhões. As grandes cooperativas e os grandes produtores já têm um pouco de frota. No final, quem vai pegar o frete tabelado são as transportadoras que estão mais organizadas. O autônomo sairá prejudicado”, avalia o agricultor Juliano Schmaedecke, produtor de Sidrolância, no Mato Grosso do Sul.

No Paraná, a ideia de alguns agricultores é formar uma “cooperativa de transportes” para administrar frota própria, algo que já acontece na maior cooperativa do País, a Coamo, de Campo Mourão. “Com esses preços, não é bom negócio ficar na mão de terceirizados”, diz Márcio Bonesi, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Paraná (Aprosoja-PR), de Goioerê, no Noroeste do estado.

Uma nota técnica de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (ESALQ-LOG), também projeta este desdobramento negativo que a tabela pode ter para os próprios caminhoneiros. “No médio prazo, com o aumento dos preços de fretes em decorrência do tabelamento, os embarcadores (donos da carga) poderão investir na aquisição de veículos para realizar as suas operações de transporte, contribuindo para reduzir a demanda de serviços de transporte terceirizados”, aponta Thiago Guilherme Péra.

O setor produtivo, tanto as Aprosojas como a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, entendem que uma eventual tabela deveria servir apenas como referência, não obrigatória, regulada pela oferta e demanda.

O principal impasse que a tabela criou está no frete de retorno dos caminhões que levam grãos para os portos. Até aqui havia descontos significativos no frete de volta, geralmente com caminhões carregados com produtos de baixo valor agregado, como calcário e fertilizantes. Com a tabela, os transportadores têm exigido o preço cheio.

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Lideranças agropecuárias se reuniram nesta semana com integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura, em Brasília

O estudo da ESALQ-LOG alerta que o custo adicional da tabela acabará chegando ao consumidor final, contribuindo diretamente para a alta dos preços de alimentos e produtos. De imediato, quem pagará pelo encarecimento de insumos, como fertilizantes, é o produtor rural, podendo haver redução na produção de alimentos já na próxima safra. “A redução da oferta na produção de grãos pode gerar uma situação de rearranjo comercial interno em muitas regiões do país, com consequente aumento de preços, o que acaba desencadeando um efeito cascata de repasse ao consumidor final, gerando maior inflação de alimentos”, ressalta José Vicente Caixeta Filho, também da ESALQ-LOG.

Mercado travado

Enquanto a Medida Provisória da tabela de frete é discutida no Congresso Nacional, tanto o transporte como a comercialização de produtos agrícolas seguem em ritmo lento. “Na minha região, muitos produtores que negociaram a soja antes da tabela do frete continuam sem conseguir tirar o produtor para abrir espaço para o milho”, diz o produtor Márcio Bonesi. Segundo ele, quando os transportadores aceitam dar desconto, já avisam que, confirmada a tabela do frete, irão à Justiça pedir o pagamento da diferença.

No Norte do País, os produtores têm conseguido negociar descontos no frete com os transportadores. Para José Carlos OIiveira de Paula, de Balsas, no Maranhão, a maior preocupação está na comercialização. “De cada 10 empresas compradoras, só uma está comprando soja no mercado futuro porque não existe uma definição dos custos, principalmente do frete. O produtor quer comprar adubo e travar o preço da soja dele, mas os negócios estão parados”, diz Oliveira de Paula.

O produtor de Balsas aponta que, na região do Matopiba, cerca de 20% dos agricultores operam com caminhões próprios. Ele não acredita, no entanto, que a alternativa seja aumentar essas frotas: “já tem muito caminhão no mercado”.

As negociações em Brasília entre governo, parlamentares, representantes dos produtores rurais e caminhoneiros têm sido difíceis. “Ao tentar conversar com os líderes dos caminhoneiros eles só falam em parar e fazer greve de novo. O agronegócio já está parado, sem escoar suas safras e sem receber fertilizantes. A população ficou com a alta de combustíveis, dos alimentos e do gás. Vamos ver se a população vai apoiar outra paralisação”, questiona Bonesi.

Fonte: Gazeta do Povo, 6 de julho de 2018.