Valter Campanato / Agência Brasil

Ministros concederam coletiva de imprensa para anunciar acordo sem duas das principais entidades da categoria

Duas das principais entidades de caminhoneiros não aceitaram assinar o conjunto de propostas que o governo, por meio do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, levou à mesa nesta quinta-feira (24). A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), que responde por mais de um milhão de caminhoneiros e organizou a greve contra a alta do combustível, e a União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam) não aceitaram os termos do acordo (veja a lista abaixo), que entre outros pontos consiste em eliminar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis) em todo o ano de 2018 e manter o mesmo preço do diesel nos próximos 30 dias, período em que os termos do acordo serão reexaminados.

Das oito entidades que subscrevem o acordo, sete representam o empresariado do setor. Apenas uma delas, a Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas de São Paulo (Fetrabens), de fato falam em nome dos caminhoneiros que estão amotinados em rodovias Brasil afora.

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Embora tenha manifestado otimismo em relação ao fim das paralisações, que incluem bloqueio de estradas e ocupação de rodovias em carretas numerosas, Eliseu Padilha demonstrou descontentamento quanto à postura do presidente da Abcam, José da Fonseca Lopes, que mais cedo abandonou irritadamente a reunião na Casa Civil, como sua assessoria confirmou ao Congresso em Foco.

“Ele saiu com raiva da Casa Civil”, lamentou Padilha, acrescentando que a Confederação Nacional do Transporte (CNT) assinou em nome da Abcam em razão da hierarquia entre as entidades, o que é contestado por líderes de caminhoneiros. “Nós o conhecemos, sabemos do que se trata.”

Na verdade, o acerto prevê a suspensão da paralisação dos caminhoneiros por 15 dias. Segundo Padilha, até a próxima segunda-feira (28) estará normalizado o abastecimento de combustível nos postos de todo o país. “Se nós começarmos hoje [quinta-feira, 24], como imagino que vá acontecer [a retomada das atividades], possivelmente nós deveremos ter um fim de semana, quem sabe até segunda-feira, com todos os pontos normalizados”, vislumbrou.

O dirigente não aceitou o pedido de trégua oferecido pelo governo e avisou que o movimento só começará a negociar quando o projeto que elimina a incidência de PIS/Cofins sobre o diesel, aprovado às pressas pela Câmara ontem (quarta, 23), seja também aprovado pelos senadores e tornado lei com publicação no Diário Oficial da União (DOU).

Recuo

Mas o próprio presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), já disse que não há acordo para a votação da matéria, que chegou a ser anunciada para amanhã (sexta, 25), o que promete jogar lenha na fogueira das barricadas. Ontem (quarta, 23), o próprio presidente da Unicam, José Araújo Silva, disse a este site que a categoria não aceitaria medidas do governo ou do Congresso que não fosse a redução do preço do diesel na bomba, de maneira clara e direta. Além disso, 30 dias de estabilidade de preços não resolvem, diz o dirigente, mas ao menos 180 dias.

“Isso [votação projetos] não adianta. O que nós queremos é que, a cada seis meses, não aumente o óleo diesel. Daqui para frente não vamos abrir não. Tem que mudar. Eles viram que, com o país parado, não é brincadeira”, advertiu José Araújo. Hoje, logo depois de anunciado o acerto do governo com parte das entidades, o presidente da Unicam confirmou não ter assinado o documento e disse achar improvável que a desmobilização aconteça como imagina o governo. Ele relatou ainda que diversos caminhoneiros já contestaram o resultado da reunião na Casa Civil, questionando-o por que as entidades aceitaram fechar acordo sem nada concreto.

Além da Unicam e da Abcam, não assinaram o acordo entidades como Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí (Sinditac-RS), Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas (NTC & Logística) e a Transporte Forte Digital, que ontem haviam participado da reunião com a Casa Civil.

Entidades menos representativas assinaram o acordo proposto pelo governo, além daqueles que representam grupos patronais. Constam da lista apresentada pelo ministro, além da CNT e Fetrabens, Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Federação dos Transportes Autônomos de Cargas de Minas Gerais (Fetramig), Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Distrito Federal (Sindicam-DF), Federação Interestadual dos Transportes Rodoviários Autônomos de Cargas e Bens da Região Nordeste (Fecone), Federação dos Transportadores Autônomos de Cargas do Espírito Santo (Fetac-ES) e Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg).

Afagos

Eliseu Padilha começou o discurso com elogios ao presidente da Petrobras, Pedro Parente, responsável pela política de reajuste de preços de combustíveis que levaram à revolta dos caminhoneiros. Ontem (quarta, 23), Parente já havia anunciado redução do diesel na refinaria em 10%, por 15 dias, e hoje Eliseu garantiu que haverá a contrapartida de compensações financeiras asseguradas pela União, com o objetivo de não causar prejuízos para investidores da estatal.

“Nós precisamos muito retomar a atividade, a nossa vida normal”, declarou o ministro da Casa Civil, que se fez acompanhar dos colegas ministros Eduardo Guardia (Fazenda) e Carlos Marun (Secretaria de Governo) na coletiva de imprensa, além de cinco representantes de entidades.

Em solenidade comemorativa do Dia da Indústria 2018, em Belo Horizonte, quando também se deu a troca de comando da Federação das Indústrias do Estado de Minas (Fiemg), o presidente Michel Temer (MDB) aproveitou os holofotes da NBR, a emissora de TV governamental, e entrou ao vivo para comunicar aos presentes a “boa notícia” que estaria em curso em Brasília.

“Acabo de receber a notícia do chefe da Casa Civil de um pré-acordo feito com as entidades, e que depois vai ser levado a assembleia geral”, discursou o emedebista, que ontem havia admitido ter pedido trégua aos caminhoneiros.

Veja os itens do acordo:

- eliminação da incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre o óleo diesel até o fim do ano;

- garantia de periodicidade mínima de um mês até eventual reajuste do preço do óleo diesel em refinarias;

- redução de 10% no valor do diesel em refinarias nos próximos 30 dias, medida já executada pela Petrobras com contrapartida financeira da União;

- reedição da Tabela de Referência do frete remunerado de cargas, em 1º de junho de 2018, com atualização trimestral;

- garantir que estados assegurem isenção da tarifa de pedágio sobre eixo suspenso em caminhões sem carga;

- em até 15 dias, edição de medida provisória para permitir que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) contrate transporte rodoviário de cargas, sem exigência de licitação, em até 30% de sua demanda de frete. A MP contemplará cooperativas e entidades sindicais de transportadores autônomos;

- manter desoneração da folha de pagamento de empresas de transporte rodoviário de cargas;

- promover extinção de ações judiciais abertas pela União contra a mobilização dos caminhoneiros;

- deixar autoridades de trânsito cientes sobre o acordo, em razão de eventuais desdobramentos de processos administrativos iniciados em decorrência da greve;

- reuniões periódicas entre as partes envolvidas para assegurar o cumprimento dos termos do acordo. Próxima reunião será em 15 dias;

- oferecimento, por meio da Petrobras, de livre participação nas operações de transporte de cargas para transportadores autônomos;

- a petrolífera deverá respeitar a resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) referente à renovação da frota nos contratos de transporte de carga.

Fonte: Congresso em Foco, 25 de maio de 2018.