"O financiamento coletivo está engatinhando na política brasileira. A partir da nossa imaturidade política e das pessoas envolvidas em todo o processo, esse modelo pode, sim, englobar eleitores que não estão nem um pouco comprometidos com a proposta de campanha de um candidato"

Glauco Humai

Comum nas campanhas eleitorais americanas, o financiamento coletivo – o chamado crowfunding – tem sua estreia neste ano nas eleições brasileiras. Incluída na legislação por meio da reforma eleitoral de 2017, essa modalidade de doação para pré-candidatos por meio de plataformas online, prevista na Lei 13.488/2017, já está em vigor.

O financiamento coletivo online nasce dentro de um amplo contexto de crise da nossa democracia. É uma das propostas de renovação política que vai permitir um maior engajamento dos eleitores na campanha e, portanto, contribuir para o amadurecimento da experiência democrática brasileira. Isso porque a noção de participação política, no caso dessa alternativa, extrapola o direito individual ao voto e ganha uma dimensão coletiva de organização dos cidadãos em torno de interesses comuns e em prol de um projeto político.

A chamada “vaquinha eleitoral” representa um ganho, principalmente, para candidatos e partidos com pouca representatividade. Pela forma como essa maneira de arrecadação se desenvolve, em especial pela sua capilaridade, os pequenos e médios candidatos devem conseguir oxigenar ainda mais suas campanhas. É uma ferramenta que traz uma possibilidade para milhares de candidaturas, principalmente no âmbito do legislativo.

E mesmo aqueles candidatos de partidos que garantem fatias substanciais do fundo de campanha poderão ter o mecanismo de financiamento coletivo como um adicional relevante. Em um cenário completamente diferente, o fundo deve distribuir neste ano R$ 1,7 bilhão para os partidos, ao contrário da eleição de 2014, quando as doações por empresas ainda eram permitidas e foram gastos “modestos” R$ 5 bilhões.

Quando se coloca no papel a diferença de valores pré e pós reforma política, o crowfunding se mostra uma boa ideia para arrecadar recursos. Mas vale lembrar que é necessário ter transparência, ações de engajamento, trabalho duro para vingar e muito planejamento, até porque o candidato só poderá utilizar a quantia arrecada depois da convenção em agosto.

Bem recente no Brasil, esse tipo de captação já é utilizado de forma exitosa em diversos países, principalmente nos Estados Unidos. Na corrida presidencial americana de 2008, o democrata Barack Obama adotou uma estratégia que arrecadou US$ 750 milhões em doações privadas, boa parte dos quais advinda de pequenos doadores. Por aqui, na campanha de 2016, o candidato Marcelo Freixo, que disputou a prefeitura do Rio de Janeiro pelo Psol, conseguiu arrecadar R$ 1,4 milhão com uma plataforma de crowfunding.

Contudo, não basta decidir pela possibilidade ou não de usar esse recurso. Na hora de escolher, é preciso levar em consideração os instrumentos de controle da lisura da intermediação entre candidatos e doadores. Algumas candidaturas estão apostando, inclusive, com a ajuda de empresas especializadas para evitar que se corrompa a diretriz de fortalecer o engajamento da sociedade civil no exercício do poder público. Mas o fato é que, assim como os candidatos, o mercado também não estava preparado para essa realidade. Até agora,apenas 10 empresas de arrecadação estão credenciadas em todo o país para receberem as quantias dos doadores e cada uma tem formas diferentes de atuação.

Do outro lado, está o Tribunal Superior Eleitoral que caminhará aplicando as mesmas regras de prestação de contas e fiscalização de uma doação tradicional. Será feito também um intercâmbio de dados com órgãos como o Tribunal de Contas, que vão ajudar no cruzamento de informações para verificar os repasses de pessoas físicas. Isso vai garantir que os candidatos não tenham problemas futuros e que não se façam uso indevido da nova modalidade de financiamento.

O financiamento coletivo está engatinhando na política brasileira. A partir da nossa imaturidade política e das pessoas envolvidas em todo o processo, esse modelo pode, sim, englobar eleitores que não estão nem um pouco comprometidos com a proposta de campanha de um candidato. Por outro lado, tenho certeza que teremos muitos eleitores estimulados a participar de uma forma mais efetiva dos processos políticos. E mesmo diante da necessidade de construirmos um modelo de doação melhor estruturado, eu quero acreditar que o financiamento coletivo online é um bom primeiro passo, que, com o tempo, se tornará uma ferramenta de consolidação da nossa democracia, além de ser mais uma forma de tentativa ao combate à corrupção.

Fonte: Congresso em Foco, 23 de maio de 2018.