A criação de impostos progressivos no Brasil nunca teve o apoio das hegemonias políticas, sobretudo dos setores empresariais, e os presidentes que tentaram fazer alterações neste sentido foram destituídos. 

Por Róber Iturriet Ávila e João Batista Santos Conceição*

                         

  

 O sistema tributário de um país está intimamente relacionado ao desenvolvimento econômico e ao pensamento dominante na sociedade acerca do papel e do financiamento do Estado. Há, ainda, disputas entre correlações de forças dos diferentes estratos da sociedade e entre os entes federados. O presente texto expõe brevemente elementos históricos da tributação brasileira, em complemento ao artigo "O imposto de renda do Brasil no tempo: da progressividade ao liberalismo", publicado anteriormente.

O perfil agroexportador da economia brasileira durante o período de 1889 e 1930 explica a importância dos impostos sobre importação e exportação. O imposto sobre exportação era de competência dos estados, tal fato deve-se ao poder que as oligarquias cafeeiras exerciam (GRAZZIOTIN, 2012).

O imposto sobre importação era de competência do governo central. Esse último era responsável por mais da metade da receita dos cofres públicos, enquanto os demais impostos sobre o consumo representavam aproximadamente 30% até 1930.

Os choques externos decorrentes da crise de 1929 fizeram variar o preço do café e a demanda dos países centrais pelo produto, levando a menores níveis de produção, exportação, importação, renda e arrecadação. A saída encontrada pelo Estado foi estabelecer impostos internos na tentativa de aumentar as receitas. Um exemplo foi o Imposto sobre Consumo.

O Imposto de Renda (IR) passou por uma fase de ampliação da progressividade a partir da década de 1930, tendo a alíquota máxima passado de 20% para 50% após a Segunda Guerra Mundial.

Getúlio Dornelles Vargas assumiu o poder por meio de uma ditadura de governo provisório, tendo por seus desafios centrais a crise e o combate ao Estado oligárquico. A Constituição de 1934 do Brasil promoveu alterações na estrutura tributária do país nas esferas estaduais e municipais. A despeito da centralização política, a Constituição de 1934 especificou as competências e o financiamento dos estados e dos municípios.

Entre o período do Plano de Metas e o golpe militar, houve tentativas de alterar a estrutura tributária brasileira, como o anteprojeto de Código Tributário Nacional. Entretanto, as forças políticas existentes não permitiam profundas alterações.

“Tais mudanças não foram legitimadas, pois desagradavam às forças políticas e econômicas que sustentavam o pacto de poder. Isto levaria, no início dos anos de 60, à redução da capacidade do Estado cumprir suas funções” (GRAZZIOTIN, 2012, p. 56).

A inadequação do sistema tributário levaria à redução forçada da atuação do Estado. Neste sentido, a questão tributária no governo Goulart estava inserida nas Reformas de Base. A reforma tributária constituía-se em atualizar o sistema tributário brasileiro que estava praticamente inalterado desde 1946. A pretensão da reforma era ampliar os impostos progressivos.

              

A fala de Goulart aponta nesse sentido:

“É universalmente sabido que o sistema tributário é o grande instrumento de distribuição de renda. […] Impõe se reformar esse mesmo aparelho, tendo em vista também e, sobretudo, o aspecto social. O imposto só pode ser entendido como instrumento de justa distribuição de renda nacional, entre rendimentos do capital e salários. Da mesma forma, é preciso que opere como elemento de equilíbrio entre as classes, entre as diversas regiões do país e entre as unidades administrativas”. (GOULART, 1964 apud BRAGA et al. 2004).

O governo de Goulart aumentou a alíquota máxima de IR para 65%, alcançando o maior percentual da história, além de outras propostas[1] nesta área (MOREIRA, 2011). Esse foi um dos fatores de instabilidade do governo Goulart, que encontrava crescente resistência dos grupos econômicos que se beneficiavam com alianças com o capital estrangeiro (SOUZA, 2010).

Os governos militares subsequentes rechaçaram essas propostas ao implementarem a redução da escassa progressividade tributária. Uma das medidas desses governos foi a diminuição da alíquota máxima do IR concernente às pessoas físicas. Tais mudanças objetivavam incentivar a acumulação, garantir incentivos fiscais e financeiros para setores estratégicos e um novo modelo de federalismo fiscal.

O Gráfico 1 explicita o acentuado aumento da carga tributária a partir do regime ditatorial. Os dados também mostram que esse aumento foi acompanhado pela menor participação de tributos diretos na carga tributária, ou seja, houve oneração às classes mais pobres. O resultado dessas e de outras reformas do período foi a concentração de renda e de patrimônio em paralelo à redução real do salário mínimo.

Na esteira das ideias liberalizantes das décadas de 1980 e 1990, houve um processo de redução das faixas de alíquotas de IR, extinção de impostos sobre dividendos, além de mudanças apresentadas em outras oportunidades, as quais consolidaram o ônus fiscal aos estratos inferiores da sociedade brasileira.

A instituição de impostos progressivos no Brasil nunca teve o apoio das hegemonias políticas, sobretudo dos setores empresariais. Já os presidentes que intentaram efetuar alterações neste sentido foram destituídos.

                      

Referências

GRAZZIOTIN, Henrique de Abreu. Análise da Política Fiscal Brasileira pós-Plano Real com enfoque nas instituições: um exercício de Economia Política Institucionalista. 2012. 112 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Ciências Econômicas) – Curso de Ciências Econômicas, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rio Grande do Sul, 2012.

MOREIRA, Cássio da Silva. O projeto nação do governo João Goulart: o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964). 2011. 406. Tese (Doutorado em Economia). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. A evolução da estrutura tributária e do fisco brasileiro: 1889-2009. Rio de Janeiro: IPEA, 2010. (Textos para Discussão IPEA, n. 1469).

SOUZA, Luiz Eduardo Simões de. A Crise Política dos anos 1960. In: PIRES, Marcos Cordeiro (org). Economia Brasileira. Da Colônia ao Governo Lula. Rio de Janeiro: Saraiva, p. 139-191, 2010.

                    

Nota

[1] As propostas sobre a renda e o capital seriam: a) ajustar as alíquotas progressivas à política de distribuição equitativa da carga tributária; b) fiscalizar os ganhos de capital e dos rendimentos do trabalho por meio das declarações; c) rever o regime de tributação dos rendimentos das pessoas físicas e jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede fora do País; d) instituir imposto sobre os lucros especulativos nas operações sobre imóveis; e) rever a forma de tributação das pessoas jurídicas no País, implementando um sistema diferenciado da renda em função do lucro-capital; f) estimular a poupança por meio de incentivos fiscais; g) estimular a reinversão de lucros quando reverta efetivamente ao crescimento econômico; h) disciplinar o aumento do capital de empresas por incorporação de reservas, prevendo tratamento fiscal diferente às reservas constituídas por meio de estímulos fiscais; i) utilizar a cédula G como mecanismo de difusão da propriedade e de estimulo ao uso racional da exploração da terra. A cédula G era classificada entre 1926 e até 1989 como receita proveniente de atividade agrícola ou pastoril e exploração de indústria extrativa vegetal ou animal. (MOREIRA, 2011). 

                       

Fonte: Vermelho, 02 de fevereiro de 2018