TRABALHO CONTEMPORÂNEO

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Mais um julgamento do Supremo Tribunal Federal contra a jurisprudência majoritária da Justiça do Trabalho. Mais reflexões a serem efetuadas.

A primeira, e repetitiva, é de que no Brasil não basta a legislação prever claramente algo para termos segurança na aplicação do ordenamento jurídico. Precisamos esperar a última palavra do STF sempre que algum tipo de inconstitucionalidade possa ser invocada (e na área trabalhista isso parece ser a regra).

Segundo, porque o local onde é possível pensar o Direito do Trabalho para além das amarras corporativistas da CLT não é dentre seus especialistas de plantão. Estes nitidamente preferem a visão tradicional e paternalista dos direitos trabalhistas concedidos e garantidos pelo Estado, com garantia de intervenção — se não por um bom ditador —, pelo Poder Judiciário.

Terceiro, que não há uma cultura de exercício de liberdade na área trabalhista, nem no plano individual, nem no coletivo, a partir do momento em que se acha precarizante a possibilidade dos próprios trabalhadores criarem as regras que lhes serão aplicáveis por negociação.

Essas primeiras constatações são totalmente compreensíveis. Nossa história em Direito do Trabalho é bem diferente da que ocorreu no chamado "primeiro mundo", onde inicialmente se deu a industrialização para, depois, pela luta dos trabalhadores, surgirem os direitos trabalhistas e seus entes coletivos (sindicatos).

O Brasil pode ser considerado uma inversão de valores, já que tivemos escravidão como base da economia até 1888, permissão legal para criação de sindicatos em 1903, concessão geral de direitos individuais trabalhistas em 1943 e, finalmente, controle do Estado sobre os interesses coletivos, sob a batuta de uma legislação inspirada no fascismo italiano.

A própria Justiça do Trabalho surgiu como órgão do Poder Executivo com a finalidade de pacificar conflitos, com composição paritária de empregados e empregadores, exercitando seu Poder Normativo para impor regras de aplicação obrigatória aos contratos individuais de trabalho.

Essa origem "totalitária", parece, jamais deixou a mentalidade dos que atuam na área. Claro que houve uma transmutação de valores, pois da intervenção ditatorial, que poderia gerar controle a favor do interesse público (e patronal), passamos a desejar uma intervenção da boa autoridade, daqueles que possuem um sentimento de justiça e estão vinculados aos valores mais puros previstos na nossa Constituição: a magistratura trabalhista, ladeada pelos procuradores do Trabalho, provocados pela advocacia.

Acostumamo-nos a nos sentir os paladinos da justiça social, como o próprio Tribunal Superior do Trabalho se identifica em buscas do site Google. Arvoramo-nos na soberba de acharmos que sabemos melhor as necessidades do trabalhador, como deveria ser a legislação e nos orgulhamos da atuação que efetiva uma verdadeira distribuição de riquezas.

Se o Poder Legislativo cria uma lei que entendemos precarizante, ou simplesmente ruim, ignora-se a produção legislativa. Basta encontrar algum fundamento constitucional para justificar uma solução conforme a vontade do julgador. Na pior das hipóteses, basta dizer que há lesão ao valor social do trabalho, da dignidade da pessoa humana e, a pérola do momento: retrocesso social.

Se os próprios trabalhadores negociam, como garante a Constituição e a lei em vigor, condições de trabalho que entendemos ruins, simples, basta anular o negócio jurídico por lesivo às conquistas sociais, vedação ao retrocesso e, adivinhem, lesão ao valor social do trabalho e à dignidade da pessoa humana.

Com o novo julgamento do STF, parece, viramos mais um capítulo da vanguarda do atraso para, finalmente, reconhecermos que a reforma trabalhista produziu um dos capítulos mais importantes de nossa história de libertação do corporativismo fascista de Getúlio: a liberdade de negociar as condições de trabalho segundo a autonomia coletiva de vontade, garantido o patamar civilizatório mínimo que já alcançamos.

Eis a tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

Conhecedor que sou da nossa área, lá se vão 25 anos de magistratura e mais uns quatro como servidor, a última frase da tese vai gerar novo levante da "resistência" trabalhista, tal qual templários em defesa da última boa causa. Não duvido de que cheguem a defender que todos os direitos trabalhistas são absolutamente indisponíveis para tentar anular a tese de nossa Corte Máxima.

A boa notícia é que eventual atuação neste sentido não deve gerar muito tumulto. A própria CLT, com a reforma trabalhista, deixou claro em seu artigo 611-B os conteúdos do Direito do Trabalho que são absolutamente indisponíveis. Para além do que está ali expressamente previsto, as matérias contidas na própria Constituição e nas Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil são, obviamente, parte deste mínimo existencial trabalhista.

Mas como lei, para nós, não vale tanto até o Supremo a ratificar, já que basta alegar alguma inconstitucionalidade abstrata, melhor utilizar como suporte decisões do próprio STF sobre a matéria.

E como citado pela colega Andrea Gardano Bucharles Giroldo em sua dissertação de mestrado perante a Escola de Direito de São Paulo da FGV:

"Embora, o critério definidor de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta seja vago, afirma-se que estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um 'patamar civilizatório mínimo', como a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a liberdade de trabalho etc. 16 Enquanto tal patamar civilizatório mínimo deveria ser preservado pela legislação heterônoma, os direitos que o excedem sujeitar-se-iam à negociação coletiva, que, justamente por isso, constituiria um valioso mecanismo de adequação das normas trabalhistas aos diferentes setores da economia e a diferenciadas conjunturas econômicas. 17" (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº RE 590.415. Relator: ministro Roberto Barroso‚ repercussão geral).

Vale registrar que tal decisão foi proferida em 2015, antes da legislação trabalhista ser aperfeiçoada pela reforma de 2017, sendo evidente que os artigos 611-A e 611-B da CLT estão totalmente coerentes com o entendimento do Supremo.

Assim, vale celebrar o resultado final desse embate de ideias entre o STF e a Justiça do Trabalho, restando vencido o lado que se reconhece como progressista e humanista, muito embora desejem o restabelecimento da velha ordem corporativista fascista do Direito do Trabalho brasileiro.

Como nosso país "não é para principiantes", conforme dizia Tom Jobim, finalizo o artigo desta semana rogando mais poesia e música para a Justiça do Trabalho afinar seus julgamentos rumo a uma nova era que equalize liberdade e responsabilidade dos atores sociais de nossa área, superando a constante ideia de luta de classes para avançar na construção dialogada e respeitando a vontade alheia: "Brigas Nunca Mais":

"Chegou, sorriu, venceu depois chorou

Então fui eu quem consolou sua tristeza

Na certeza de que o amor tem dessas fases más

E é bom para fazer as pazes, mas

Depois fui eu quem dela precisou

E ela então me socorreu

E o nosso amor mostrou que veio pra ficar

Mais uma vez por toda a vida

Bom é mesmo amar em paz

Brigas nunca mais"

(Tom Jobim/Vinicius de Moraes)

 é juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e membro da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-jun-07/trabalho-contemporaneo-negociado-legislado