Especialistas dizem que é preciso inventar novas formas de trabalhar.

                    

O desafio da empregabilidade no Brasil é bem maior que o de encontrar ocupação decente para 13 milhões de pessoas consideradas desocupadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e recuperar 3 milhões de postos formais de trabalho subtraídos pela crise. É o que dizem especialistas entrevistados para esta reportagem. 

Segundo o economista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), José Guilherme Silva Vieira, o Brasil sequer conhece a real situação do mercado de trabalho. Ele afirma que a metodologia utilizada pelo IBGE minimiza o problema por não considerar como desempregadas as pessoas que fazem qualquer tipo de "bico". "É muito maior, mas é difícil fazer projeções", afirma. 

Já o consultor de Curitiba Bernt Entschev calcula que vai demorar muito para o País dar cabo do problema. "Se são 13 milhões de desempregados e 2 milhões de jovens entrando no mercado de trabalho todo ano, o Brasil precisaria criar 3 milhões de empregos por ano para zerar a conta em 13 anos", ressalta. 

Por isso, na opinião dele, as pessoas terão de inventar novas formas de trabalhar. E uma excelente alternativa é empreender. "Já tem muita gente fazendo isso. Tem um camarada aqui em Curitiba que passou a fazer sonhos para vender. Está fazendo muito sucesso. Já ficou conhecido como o 'homem do sonho'", exemplifica. 

Entschev diz que a crise foi democrática ao roubar tantos os empregos mais humildes como os de melhores salários. "Tem muito executivo na fila do emprego. Durante a crise, empresas acabaram com níveis hierárquicos inteiros dentro de seus organogramas", conta. 

O consultor empresarial e colunista da FOLHA, Wellington Moreira, conhece várias dessas empresas, que cortaram cargos de diretoria ou superintendência. E diz que os ocupantes desses cargos não se recolocaram no mercado. "São pessoas que ganhavam de R$ 20 mil a R$ 50 mil." 

Moreira não acredita que as vagas serão recriadas, pelo menos não em médio prazo. "Essas pessoas têm de encontrar outros caminhos. Algumas estão empreendendo. Outras que conseguiram montar um bom patrimônio estão administrando seus bens", conta. 

Para o professor Vieira, da UFPR, a solução para o mercado de trabalho não virá pela geração de emprego formal. "Cada vez mais será preciso criar o próprio trabalho", diz ele. "As pessoas terão de se preparar para prestarem serviços para diversas empresas como autônomas", argumenta.

                  

DICAS 

Para quem prefere insistir na busca pelo emprego, Entschev aconselha não descuidar da rede de relacionamento. "Sem networking não dá certo. E tem que manter. Existem pessoas que ficam desempregadas e passam a cumprimentar todo mundo na esquina. Depois que conseguem a vaga, voltam a se fechar. Está errado", critica. 

Para quem já conseguiu a vaga e quer mantê-la, a dica é "não ter visão de umbigo". "Isso vale para todo mundo, mesmo para o porteiro e a telefonista. É preciso se envolver com a empresa, demonstrar interesse pelo que está em volta, e dar sugestões", ensina. 

                   

Substituídos pela máquina 

Mais grave que o desemprego causado pela crise é aquele que decorre das novas tecnologias. Embora este seja um problema que afeta todos os países, é mais preocupante no Brasil, segundo o professor da UFPR, José Guilherme Silva Vieira, porque o País não investe para enfrentá-lo. 

Se a crise rouba postos de trabalho dos mais humildes aos mais elevados, o desemprego causado pela nova revolução industrial atinge principalmente os mais pobres. "A tecnologia substitui as funções mais rotineiras. O jovem pobre sofre mais porque são nessas funções que eles têm seus primeiros empregos", declara. 

O consultor Bernt Entschev concorda. "Quanto mais difícil o trabalho, mais difícil de a pessoa ser substituída pela máquina", afirma. 
Para Vieira, o fato de o País ainda não ter popularizado internet em banda larga é um agravante. "O que farão essas pessoas que não foram preparadas para a tecnologia, se os empregos mais rotineiros tendem a desaparecer. Vão vender pipoca? Não tem mercado para tanto pipoqueiro", alega. 

Mas nem tudo está perdido, na visão do professor. Ele recorda que novas profissões surgiram com os grandes saltos tecnológicos da história. "A popularização dos carros, por exemplo, roubou o trabalho dos charreteiros, mas com ela surgiram os mecânicos e borracheiros." 
Ele acredita que o mesmo deverá ocorrer com a nova revolução industrial. "Só não sabemos ainda que profissões serão essas." (N.B.)

                  

Fonte: Folha de Londrina, 25 de setembro de 2017