ILÍCITO ESTATAL

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A Junta Comercial, como autarquia estadual, responde objetivamente pelos atos causados a terceiros pelos seus agentes, sendo desnecessário comprovar a existência de dolo ou culpa. Assim, para o dever de indenizar, bastam a conduta antijurídica, a ocorrência do dano e o nexo causal entre os dois.

Ao corroborar este entendimento, a 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul (JECs) chancelou sentença que condenou a Junta Comercial, Industrial e Serviços do RS a indenizar um trabalhador desempregado impedido de sacar o seu seguro-desemprego. Motivo: a JucisRS informou ao Ministério do Trabalho que o autor, que reside em Bagé, era sócio de uma empresa em Cachoeirinha, na Região Metropolitana.

Estupefato com a situação, o trabalhador procurou a Receita Federal, onde ficou sabendo que é sócio de uma empresa que nunca ouviu falar, vinculando o seu nome e o seu CPF ao contrato societário. Após a constatação, ele protocolou um boletim de ocorrência (B.O.) na polícia e procurou a Justiça para se ressarcir dos danos morais e materiais.

Assinaturas discrepantes
No primeiro grau, o Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Bagé disse que ficou bastante clara a ‘‘inconsistência do ato alterador’’ do contrato social da empresa. Confrontando as assinaturas postas no requerimento de inscrição de alteração do contrato social com as assinaturas constantes nos documentos de identidade do autor — datados anteriormente ao registro na Junta —, o juiz Volney Biagi Scholant notou "evidente discrepância" entre as firmas. Era tamanha, aliás, que dispensava perícia. "Nesse passo, é de se gizar que a assinatura inconsistente é realizada pela via de letra de ‘imprensa’, enquanto a reconhecida do autor é cursiva, inclusive com traços e inclinação bem diferenciados", destacou na sentença.

Neste passo, o julgador entendeu que a alteração contratual ilícita, realizada por terceiro, deve ser desconstituída e é, de fato, apta a conduzir à responsabilidade civil da autarquia, como prevê o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Assim, o juiz declarou a nulidade do registro de alteração contratual, julgando procedentes os pedidos embutidos na petição inicial. A autarquia do Estado foi condenada a pagar dano material no valor de R$ 6,1 mil (corrigido desde a data de entrada do requerimento do seguro-desemprego) e dano moral de R$ 10 mil (com juros mais correção a partir de 12 de setembro de 2017).

Recurso inominado
Inconformada, a parte ré recorreu da sentença por meio de recurso inominado na 2ª Turma Recursal. Em razões, alegou que os pretensos danos tiveram como causa exclusiva ato de terceiro, sendo tão vítima do ilícito quanto a parte autora. Apesar disso, esta não trouxe aos autos qualquer elemento comprobatório dos danos extrapatrimoniais sofridos. Disse não ser possível aceitar a alegação de que a assinatura posta no contrato não seria do autor sem a realização de uma perícia grafotécnica que apurasse a suposta falsificação. 

A defesa da autarquia ainda argumentou que não poderia ser descartada, de plano, a hipótese de que teria ocorrido o empréstimo de dados — o famoso "laranja" —, situação corriqueira nos dias atuais.

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Processo 9001801-91.2018.8.21.0004

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2020-out-15/desempregado-apontado-empresario-indenizado-rs