Nas lições de Amauri Mascaro Nascimento, o trabalho à distância, no enfoque do teletrabalho, é aquele que “não é realizado no estabelecimento do empregador, e sim fora dele”, “com a utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo”.  

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De início, importa consignar não possuir o presente artigo a pretensão de esgotar o tema, mas, tão-somente, abrir a discussão para pertinente e relevante questão do controle da jornada de trabalho no sistema de home office.

Ultimados esses esclarecimentos, primeiramente passemos à análise da conceituação do teletrabalho.

Extremamente em voga durante a pandemia da covid-19, o teletrabalho é, definitivamente, uma realidade que veio para ficar.

O prefixo de teletrabalho deriva do grego tele que expressa “à distância”, “longe de”. Portanto, etimologicamente, teletrabalho significa “trabalho à distância”.

Com efeito, o artigo 75-B incluído na CLT pela lei 13.467/17, conhecida popularmente por Reforma Trabalhista, define teletrabalho como sendo “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Nas lições de Amauri Mascaro Nascimento, o trabalho à distância, no enfoque do teletrabalho, é aquele que “não é realizado no estabelecimento do empregador, e sim fora dele”, “com a utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo”. 

Já Luiz de Pinho Pedreira Silva, afirma que o teletrabalho é “a atividade do trabalhador desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da sede principal da empresa, de forma telemática. Total ou parcialmente, porque há teletrabalho exercido em parte na sede da empresa e em parte em locais dela distantes”.1

Há que se salientar que o teletrabalho é gênero, do qual o home office, modalidade mais conhecida, é uma das espécies, porém não a única. Dentre elas, podemos citar:

  • Teletrabalho em domicílio, conhecido como home office, que corresponde ao trabalho realizado no domicílio do empregado.
  • Teletrabalho em Telecentros que consiste na prestação dos serviços em espaços devidamente preparados para o desempenho do teletrabalho, que podem ou não pertencer à empresa.
  • Teletrabalho nômade, também conhecido como móvel, no qual o trabalhador não possui local fixo para a prestação dos serviços, ora os desempenhando em um local, ora os desempenhando em outro;
  • Teletrabalho transnacional, aquele realizado por trabalhadores situados em países distintos.

Pois bem, analisados os conceitos e definições acima, cumpre verificar se o trabalhador que exerce suas atividades extramuros empresariais estaria excluído das normas que regulamentam a jornada de trabalho.

O legislador entendeu que sim. Veja-se que o inciso III do artigo 62 da CLT excluiu expressamente a aplicação das disposições relativas à duração do trabalho aos empregados em regime de teletrabalho.2

Todavia, diante dos modernos e tecnológicos programas e sistemas existentes atualmente no mercado, seria realmente impossível e inviável a possibilidade de controle de jornada pelo empregador no teletrabalho?

Nos parece, salvo melhor juízo, que a resposta seja negativa.

Insta ressaltar que, para caracterização do trabalho externo e, consequentemente, para enquadramento na exceção prevista no artigo 62 da CLT, não basta a ausência do controle de jornada, sendo necessária a completa impossibilidade deste:

CONTROLE DE JORNADA. POSSIBILIDADE. HORAS EXTRAS DEVIDAS. O mero exercício de atividade externa não induz, por si só, o enquadramento da hipótese na regra do art. 62, I, da CLT. Aliás, o entendimento uniformizado por esta Corte é de que, além de ser admissível o controle indireto da jornada de trabalho, basta a mera possibilidade de que tal controle seja exercido, para que se exclua a hipótese do dispositivo legal em questão. Logo, não é a ausência de fiscalização direta que caracteriza a exceção do art. 62, I, da CLT, e sim a impossibilidade de controle, hipótese não configurada no caso em análise, tendo em vista que a leitura do acórdão recorrido revela que a jornada de trabalho autoral era passível de fiscalização indireta, por meio dos Relatórios Semanais de Promotores de Vendas. Assim, constatada a possibilidade de controle, são devidas as horas extras pleiteadas. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 8872120145120038, relator: Delaíde Miranda Arantes, data de julgamento: 26/6/19, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/6/19)

Para o teletrabalho o entendimento não deve ser diferente.

Nesse prumo, os meios telemáticos atualmente existentes, assim considerados o conjunto de serviços informáticos fornecidos por meio de uma rede de telecomunicações, sem sombra de dúvidas, possibilitam o controle da jornada desempenhada pelo empregado no teletrabalho, ainda que este esteja desempenhando suas atividades fora das dependências da empresa.

Como se não bastasse, o próprio artigo 6º, caput, e parágrafo único da CLT, equiparam o teletrabalho ao trabalho presencial, bem como os meios telemáticos à supervisão direta do empregador, para fins de subordinação jurídica.3

Portanto, ao desconsiderar a possibilidade de controle da jornada dos teletrabalhadores por meio dos hodiernos instrumentos tecnológicos (celular, WhatsApp, login/logout, GPS, dentre outros), excluiu o legislador referidos empregados da proteção à duração do trabalho/jornada, extirpando-lhes o direito à percepção de eventuais horas extras.

Assim, entendemos que a melhor interpretação para a disposição constante no artigo 62, inciso III, da CLT, seja sua consideração como presunção jurídica relativa, ou seja, elidível por prova em sentido contrário.

Deste modo, comprovada a viabilidade de controle da jornada exercida em regime de teletrabalho por algum meio telemático, fará jus o teletrabalhador à proteção da duração da jornada, sendo-lhe devidas, se o caso, o pagamento de horas extras, adicional noturno, redução da jornada noturna e intervalos.

Este, inclusive, tem sido o entendimento da jurisprudência sobre o tema:

JORNADA PASSÍVEL DE CONTROLE. A reclamante tinha o horário controlado, quando executou trabalho interno, mas a reclamada não apresentou os controles e, considerando que contava com mais de 10 empregados, era ônus seu o registro da jornada de trabalho, nos termos da súmula 338 do C. TST. Quando a reclamante laborou no sistema de home office restou claro a possibilidade da aferição da jornada, uma vez que quase todo o trabalho, dava-se através de sistema informatizado, o qual permitia saber o horário de logon e logoff do usuário, irreparável a sentença no que toca à fixação da jornada, com base no princípio da razoabilidade, inclusive aos feriados, que também está em harmonia com as atividades atribuídas à autora. O intervalo não era regularmente usufruído, justificando a condenação, na forma do § 4º do artigo 71 da CLT. Sobre os adicionais extraordinários, procede o apelo da autora, na forma do artigo 20, § 2º, da Lei 8.906/94, conforme recente precedente do TST. (TRT-15 – RO: 00104458420155150042, relator: Ana Claudia Torres Vianna, 6ª Câmara, Data de Publicação: 21/5/19)

Portanto, diante do quanto exposto, há que se concluir que, havendo a possibilidade de fiscalização e controle da jornada de trabalho do empregado em regime de home office, não há que se falar na exceção prevista no artigo 62 da CLT, fazendo ele jus à proteção da duração da jornada. Por outro lado, em não havendo tal possibilidade, deverá ser aplicada à hipótese as disposições contidas no inciso III do artigo 62 da CLT.

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1 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Teletrabalho, Revista LTr, v. 64, n. 5, p. 584.

2 CLT, Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (...) III - os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

3 CLT, Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

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t*Fernanda Granato Aguiar é graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Advogada militante na área trabalhista.

t*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.