A reforma trabalhista, ao permitir a prorrogação de jornada de trabalho em ambientes insalubres sem prévia licença das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, feriu a CF.

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Malgrado tenha a lei 13.467/17, doravante reforma trabalhista, introduzido no ordenamento jurídico pátrio inúmeras normas que se afastam dos mais comezinhos princípios progressistas de direito, exsurge-se a necessidade de apontar, em especial, a aversão da referida lei à Carta Magna quando traz a possibilidade de prorrogação de jornada de labor em ambientes insalubres sem a exigência de licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho.

Antes de adentrar no tema em si, impende denotar a primeira inconstitucionalidade quando, inserindo o Art. 59-A na CLT, a Reforma Trabalhista aponta que "(...) é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso (...)". A lei, neste primeiro aspecto, traz a possibilidade de mero acordo individual efetivar a prorrogação de jornada e, com essa permissão, parece alterar a antiga máxima da Pirâmide Kelseniana ao contrariar a previsão Constitucional de possibilidade de prorrogação de jornadas apenas quando há acordo ou convenção coletiva de trabalho (Art. 7º, XIII, CF).

Poucas linhas adiante houve a inserção do parágrafo único no Art. 60 Consolidado, dizendo que "Excetuam-se da exigência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso". O posicionamento aberrante, quiçá político do legislador é corroborado quando diz no Art. 611-A que "A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre" e, em seu inciso XIII, "prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho".

Embora tenha o Legislador, no Art. 611-B, XVII, CLT, apresentado que "Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (...) - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho", percebeu a possibilidade de insegurança jurídica às empresas e acrescentou no Parágrafo Único do mesmo artigo que "Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo". Tais entendimentos trazidos pela lei 13.467/17 são um tresvario jurídico.

           

Retira-se dos artigos implementados pela reforma trabalhista e aqui esmiuçados a possibilidade de um obreiro, sabidamente hipossuficiente em uma relação empregatícia, ser compelido a trabalhar doze horas em um dia por mero acordo individual em um local insalubre e, ainda, sem a necessidade de licença prévia de autoridade competente em matéria de higiene do trabalho que, em normal situação, procederia aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, deliberando acerca da possibilidade de prorrogação da jornada do empregado.

A modulação da jornada diária de trabalho por si, cabe dizer, já é revestida de natureza de ordem pública, porquanto trata-se de norma atinente à saúde física e mental do trabalhador. Em se tratando de prorrogação da jornada de trabalho constitucionalmente prevista em um ambiente insalubre, tem-se demasiada exposição do trabalhador a agentes nocivos à sua saúde, contrariando amplamente a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, insculpidas no art. 7º, XXII, da Constituição Federal Brasileira. Impossível, portanto, a aplicação destes artigos inseridos pela Reforma Trabalhista em qualquer caso concreto.

Como dito alhures, a CRFB/88, norma suprema cônscia da necessidade da proteção da saúde do trabalhador, abrangida de um propósito social e democrático, fora veemente atacada pelas disposições trazidas pela lei 13.467/17. O legislador, a seu bel-prazer, inseriu no ordenamento trabalhista disposições legais que não possuem qualquer base jurídica, trazendo evidente dano a toda a sociedade que suporta a vigência da norma. Quisesse alterar a Constituição, o meio legítimo seria o processo legislativo de Emenda Constitucional.

Cabe aos operadores do direito, portanto, vislumbrando tal situação em uma relação jurídica material, atacar as normas inconstitucionais oriundas da  reforma trabalhista, entregando e efetivando o quanto determinado pela CF e demais normas jurídicas esteadas em princípios humanistas e sociais. Ante a absurda atuação legislativa sedimentada em 2017, tendo ainda em vista a hodierna impossibilidade de retirada dessas normas inconstitucionais do ordenamento jurídico trabalhista, faz-se necessária a utilização do controle difuso de constitucionalidade para entregar a prestação jurisdicional em consonância com a CRFB/88 em tempo hábil.

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*Vinícius Atanes Chainça é advogado, atuante nas áreas Trabalhista e Cível. Pós-Graduando em Direito Público e com especialização em Direito Processual do Trabalho. Advogado em Chainça Advocacia.

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