SENSO INCOMUM

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Sempre que alguém do Ministério Público faz algo inadequado, fico com dois corações. Por isso, tenho alertado o Ministério Público sobre os perigos que corre a instituição em face de constantes ameaças legislativas de retirada de prerrogativas, poderes etc. E, agora, com os recentes episódios envolvendo a força-tarefa comandada pelo Doutor Martinazzo Dallagnol e a insurgência para com a PGR, o caldo parece que engrossou.

Participei dos preparativos para a Constituinte. Estava ingressando no Ministério Público, então. O constituinte colocou o Ministério Público como algo à parte, como que a homenagear aquele que considero patrono da instituição, Alfredo Valadão (quem escreveu sobre isso na década de 50 do século passado), cujo mantra recitei na minha prova de tribuna, verbis:

"O MP é instituição que, para além dos Poderes tradicionais, deve defender a sociedade, denunciando abusos, vindos deles de onde vierem, inclusive do próprio Estado (leia-se, o próprio MP e o Poder Judiciário)."

Muita gente do MP não sabe dessa luta. Já pegou um MP pronto. E muitos se enlambuzaram com o poder. Durante 28 anos atuei seguindo a Constituição. Com Alfredo Valadão na mente. Se necessário, atuava em favor do réu, caso suas garantias estivessem sendo usurpadas. Como dizia Valadão, denunciando abusos, vindos de onde viessem...! Atuava como uma magistratura.

Tristemente, vejo, hoje, membros da instituição desgastando dia a dia o MP. Não fosse por nada, vejam as manchetes e o consequente desgaste do Ministério Público: Jornalista Elio Gaspari denuncia: O dinheirinho fácil das palestras — A empresa concebida por Dallagnol tirou da sombra um promíscuo mercado de mimos do andar de cima”.

Outra do insuspeito Elio Gaspari: "Lava Jato de Curitiba tantas fez que está encurralada  Pode-se fazer tudo pela operação, menos papel de bobo".

E Gaspari explica mais essa patacoada de parte do MP:  “A Lava Jato de Curitiba tantas fez que está encurralada. Tentaram satanizar a procuradora Lindora Maria Araújo e foram apanhados pelo repórter Leonardo Cavalcanti chamando Rodrigo Maia de “Rodrigo Felinto” e David Alcolumbre de “David Samuel” numa planilha oficial. Esse golpe é velho, usado por delegados e procuradores que tentam confundir juízes. Justificando-se, a equipe do doutor Martinazzo disse que os nomes completos não cabiam no espaço. Contem outra, doutores. Pode-se fazer tudo pela "lava jato", menos papel de bobo. Rodrigo Felinto tem 15 batidas, Rodrigo Maia cabe em 12. Só isso já daria um livro.

Só por isso já o CNMP deveria abrir novo procedimento. Aliás, por qual razão será que a procuradora Lindora foi a Curitiba? Bom, vejam também o excelente trabalho feito pela Conjur, que serviu de base para o MP de Contas entrar com pesada representação contra a força-tarefa. ConJur fazendo o bom jornalismo.

Há também a questão da “cooperação internacional”. Esse tapete tem de ser levantado para vermos o que há por debaixo. O artigo de Marco Aurélio de Carvalho e Thales Cassiano na ConJur está supimpa.

De novo: uma coisa é autonomia de trabalho; outra é querer ser soberano. Algo como “the king can’t wrong”. Acima da lei. Eis o problema da força-tarefa. E já era o problema de Moro.

Aras sabe. ConJur sabe. Gaspari sabe. Reinaldo Azevedo sabe. O grupo Prerrogativas sabe. De tudo. O Brasil sabe. Aliás, já o mundo sabe. Todos sabem o que eles fizeram no verão, no inverno, na primavera e no outono passados.

Bom, repito o slogan que lancei não faz muito. No romance À Espera dos Bárbaros, de Coetzee, o juiz descobre que havia tortura no forte e fica num dilema: o que fazer agora que sabe?

Diz o juiz, meditabundo:

"De forma que agora parece que meus anos de sossego estão chegando ao fim, quando eu poderia dormir com o coração tranquilo, sabendo que com um cutucão aqui e um toque ali o mundo continuaria firme em seu curso. Só que, mas, ai! eu não fui embora: durante algum tempo tapei os ouvidos para os ruídos que vinham da cabana junto ao celeiro onde guardam as ferramentas, depois, à noite, peguei uma lanterna e fui ver por mim mesmo."

Torturavam. E agora, pensa o juiz, o que fazer?

Agora ele sabe... Sabe que sabe! Não dá para tapar os ouvidos.

Resta saber se quem deve saber já sabe que sabe. Porque todos nós sabemos que sabemos. Resta saber o que fazer quando se sabe que se sabe.

Que drama que deve ser isso. Quem hoje duvida da parcialidade de Moro? E da conjuminação da força-tarefa do MP na "lava jato" com Moro?

Outra vez: onde está o MP de Valadão? Onde está o MP da Constituição?

Quedo-me esperando as respostas! 

 é jurista, professor de Direito Constitucional, titular da Unisinos (RS) da Unesa (RJ).

Revista Consultor Jurídico