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A Lei 14.020, de 6 de julho de 2020, dispõe sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e outras medidas trabalhistas. Oriunda da conversão da Medida Provisória n° 936, durante sua tramitação no Congresso recebeu algumas modificações em relação ao texto original. O presente texto tem como finalidade trazer, de forma objetiva, as principais mudanças no Programa Emergencial e em outras regras realizadas pela lei, vigente desde a sua publicação nesta terça-feira (7/7).

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Possibilidade de prorrogação do prazo das medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda
Uma das principais novidades da lei em relação ao texto original da MP foi a possibilidade de prorrogação, mediante ato do Poder Executivo, da duração dos acordos de redução proporcional de jornada e de salários, ou de suspensão do contrato de trabalho.

Assim, a redução, cuja duração prevista na lei é de 90 dias, e a suspensão do contrato, com duração de 60 dias, poderão ser prorrogadas. Essa disposição se aplica também ao prazo comum dessas medidas: originalmente de 90 dias (respeitado os 60 dias da suspensão), poderão ganhar maior duração a depender de ato do Poder Executivo.

Redução do limite do acordo individual por empresas maiores
De forma geral, a Lei 14.020 mantém as principais regras da MP 936 quanto às possibilidades de acordo individual para redução de jornada e salário, ou para suspensão do contrato de trabalho. Também são mantidas as condições relativas à convenção coletiva ou ao acordo coletivo de trabalho.

Da mesma forma, o Benefício Emergencial pago com recursos da União aos empregados que fizeram esses acordos também foi mantido calculado sobre o valor do seguro-desemprego. No entanto, uma importante alteração foi realizada no que importa aos limites salariais para a realização do acordo individual.

Nas regras da MP 936, a suspensão do contrato de trabalho e a redução de jornada e de salário podiam, de forma geral, ser acordados individualmente por empregados hipersuficientes (salário superior a duas vezes o limite do teto da Previdência Social = R$ 12.202,12), ou por empregados com salário de até R$ 3.135,00 (equivalente a tês salários mínimos em 2020). A exceção era a redução de jornada e de salário no percentual de 25%, que podia ser acordada individualmente por todos os empregados.

Já com a Lei 14.020, foi criado um limite para empresas com receita bruta, em 2019, superior a R$ 4,8 milhões. Para essas empresas, a redução de jornada e de salário nos percentuais de 50% e 70%, ou a suspensão do contrato de trabalho, somente podem ser acordadas individualmente por empregados hipersuficientes, ou por empregados com salário de até R$ 2.090 (equivalente a dois salários mínimos).

Trata-se, portanto, de redução do limite para o acordo individual.

Nova possibilidade de acordo individual: manutenção do recebimento do empregado somados os valores pagos pela empresa e pelo governo
Se, por um lado, houve redução de um limite salarial para alguns acordos individuais, por outro a Lei 14.020 trouxe alternativa para todas as empresas: se o empregado não se enquadrar nos limites mencionados (tanto para empresas com receita bruta em 2019 superior a R$ 4,8 milhões, como para as que estiveram abaixo desse limite), é possível realizar acordo individual para redução de jornada de 50% e de 70% , ou acordar a suspensão do contrato de trabalho, se deste acordo não resultar diminuição do valor mensal recebido anteriormente pelo empregado, somando-se para este cálculo o salário reduzido, o valor do Benefício Emergencial (BEm) pago pelo governo e uma ajuda mensal compensatória a cargo da empresa.

Grosso modo, para ser utilizada essa alternativa, por meio da ajuda mensal compensatória (que não tem natureza salarial) a empresa complementa a redução salarial evitando a redução dos recebimentos mensais do empregado.

Criação de condição para acordo individual com o empregado aposentado
Além das alterações anteriores, a Lei 14.020/2020 também criou uma condição para a validade do acordo individual com o empregado aposentado. Este não pode receber Benefício Emergencial a cargo do governo, conforme disciplina a Lei, pois já recebe aposentadoria. Diante disso, para realizar acordo com esse empregado, a empresa tem que assumir o custo que seria pago a título de Benefício Emergencial a cargo do Governo.

Resumo de todas hipóteses de acordo individual ou coletivo nas regras da Lei 14.020
Nos quadros a seguir pode ser visto como ficaram as principais faixas para realizar os acordos de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.

Ajuda mensal compensatória obrigatória
As principais regras sobre ajuda mensal se mantiveram, tais como seu caráter não salarial. Da mesma forma, foi mantida a regra, para as empresas com receita bruta superior a R$ 4.8 milhões (ano-calendário 2019), de somente poderem suspender o contrato de trabalho se for pago ao empregado uma ajuda compensatória mensal equivalente a no mínimo 30% do valor do salário do empregado.

No entanto, pode-se dizer que a lei cria nova hipótese de ajuda mensal obrigatória. Isso porque a empresa, para firmar hipóteses de acordos individuais, terá que pagar ajuda mensal compensatória para assegurar que  o empregado mantenha mesmo nível de rendimentos anteriores.

Com efeito, a lei, conforme mencionado, traça faixas salariais pré-definidas para fins de acordo individual. Nesse sentido, aqueles empregados fora dessas faixas salariais — isto é, que recebam acima de R$ 2.090 para empresas com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões em 2019, ou acima de R$ 3.135 para empresas com receita bruta igual ou inferior a R$ 4,8 milhões, e que não sejam hipersuficientes — para que o acordo individual de redução de jornada de 50% ou de 70% seja válido, deverão manter os recebimentos mensais em valor não inferior ao salário antes da redução salarial. Para isso, deverá ser considerada a soma do salário reduzido, do Benefício Emergencial e da ajuda mensal compensatória. As mesmas condições se aplicam à suspensão do contrato de trabalho.

Contudo, para que isso ocorra, por consequência deverá ocorrer uma complementação financeira cuja forma de realização acabará sendo, por consequência das condições estabelecidas pela Lei 14.020, a ajuda mensal compensatória. 

Aplicabilidade da nova lei diante dos acordos realizados sob as regras da MP 936
Deve-se ressaltar, no entanto, que a lei traz regra específica no que importa à aplicação de suas regras frente aos acordos celebrados anteriormente a ela, isto é, acordos realizados durante a vigência da MP 936.

Assim, essas regras somente se aplicam aos novos acordos, pois a Lei 14.020 estabelece que os acordos de redução de jornada e de salário e de suspensão do contrato, tanto os individuais como os definidos por meio de instrumentos coletivos de trabalho, realizados sob as regras da MP 936, regem-se pelas disposições da MP.

Deve-se destacar, contudo, a definição da lei de que, a partir da vigência de instrumento coletivo firmado segundo as novas regras, essas condições prevalecerão sobre as do acordo individual firmado anteriormente, naquilo que conflitarem.

Aplicabilidade dos instrumentos coletivos posteriores em relação aos acordos individuais anteriores
Outra relevante disposição da Lei 14.020, não existente no texto original da MP 936, diz respeito à prevalência dos instrumentos coletivos de trabalho sobre os acordos individuais como regra geral.

Com efeito, diante da possibilidade de um acordo coletivo ou uma convenção coletiva serem firmados posteriormente a acordos individuais já vigentes, foi estabelecido pela Lei 14.020 que as condições dispostas no acordo individual deverão ser aplicadas em relação ao período anterior ao da negociação coletiva. Dessa forma, durante o período de existência apenas de acordo individual, suas regras ficam preservadas (respeitadas as condições da legislação).

No entanto, e é importante ter atenção a essa situação, a Lei 14.020 prevê que a partir da vigência do instrumento coletivo passarão a prevalecer as condições estipuladas por meio de negociação coletiva, naquilo em que conflitarem com o acordo individual. Há uma exceção. Esta ocorre quando as condições firmadas no acordo individual forem mais favoráveis ao trabalhador. Nesse caso, prevalecerão essas condições sobre as estipuladas pelo instrumento coletivo de trabalho.

Empregadas gestantes e adotantes e a Lei 14.020
A MP 936 era silente quanto à situação das empregadas gestantes. Desse modo, as empresas deveriam buscar suas respostas nas leis trabalhistas e previdenciárias gerais no que importa à licença-maternidade, ao salário-maternidade e às questões relacionadas.

Já a Lei 14.020 tratou de estabelecer expressamente regras aplicáveis às empregadas gestantes e adotantes, dispondo expressamente que elas podem participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

A partir disso, uma importante regra relativa às gestantes e adotantes diz respeito à licença maternidade. Prevê-se na lei que, se ocorrer o evento caracterizador do início do salário-maternidade (em regra, o nascimento do bebê, mas há outras hipóteses, como o início da licença maternidade anteriormente ao nascimento), o empregador deverá comunicar esse fato imediatamente ao Ministério da Economia. Quando isso ocorrer, dar-se-á por interrompida a redução de jornada e salário ou a suspensão do contrato, bem como o pagamento do Benefício Emergencial.

Também estabelece a lei que o salário-maternidade será pago à empregada nos termos do artigo 72 da Lei nº 8.213/91, sendo equivalente a uma renda mensal igual à remuneração integral da empregada, e, pago diretamente pela empresa (que efetivará a compensação). Para fins de pagamento, deve-se considerar como remuneração integral ou último salário-de-contribuição os valores a que a empregada teria direito sem aplicação da redução de jornada e salário e suspensão do contrato de trabalho.

A Lei 14.020 também estabelece que essas regras se aplicam aos que adotarem ou obtiverem guarda judicial para fins de adoção, devendo ser observado o artigo 71-A da Lei nº 8.213/91. Além disso, o salário-maternidade deverá ser pago diretamente pelo INSS.

Por outro lado, a lei também estabelece regra específica para essas empregadas no que importa à garantia provisória no emprego. Com efeito, como regra geral, os empregados que fizerem os acordos de redução de jornada e de salário ou de suspensão do contrato de trabalho têm garantia provisória no emprego pela duração dos acordos, mais um período equivalente à duração do acordo após o restabelecimento da jornada e do trabalho, ou do contrato de trabalho.

Para as gestantes, a garantia provisória terá a duração do acordo contado a partir do término da estabilidade provisória pela gravidez. Assim, a gestante tem estabilidade provisória no emprego desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto (artigo 10, II, "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — ADCT), e, após isto, uma garantia provisória no emprego de duração equivalente ao período acordado para redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.

Vedação da dispensa de empregado com deficiência
Outra inovação da Lei em relação à MP 936 é a vedação de dispensa sem justa causa, durante o estado de calamidade, de empregados com deficiência.

Reversão do aviso prévio em curso por acordo
A Lei 14.020 também previu expressamente que empresa e empregado poderão, mediante acordo, cancelar aviso prévio em curso e, se esse cancelamento ocorrer, permitiu-se a adoção das medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda pelas partes, isto é, redução proporcional de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.

Afastamento da aplicação da responsabilidade do Poder Público relativamente às ordens de paralisação ou suspensão de atividades
Uma última questão substancial estabelecida pela Lei 14.020/2020, e que não consta do texto original da MP 936, relaciona-se às hipóteses de ordem, por parte de autoridades municipal, estadual ou federal, de paralisação ou de suspensão das atividades da empresa em decorrência de medidas para o enfrentamento do estado de calamidade pública causado pelo coronavírus.  Com efeito, o artigo 486 da CLT prevê que eventual pagamento da indenização ao empregado pela rescisão do contrato de trabalho ficará a cargo do governo responsável pela ordem. Contudo, a Lei 14.020/2020 dispõe expressamente que é inaplicável essa hipótese às medidas decorrentes do enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus.

Vetos
Alguns outros dispositivos, incluídos pelo Congresso Nacional durante a análise da MP 936, foram vetados pela Presidência da República. Entre eles, cabe destacar os que tratavam da ultratividade das cláusulas coletivas vencidas ou vincendas durante o estado de calamidade pública, do pagamento do benefício emergencial para alguns trabalhadores (inclusive  intermitentes), sem direito de receber seguro-desemprego caso demitidos durante o período da pandemia, a prorrogação da desoneração da folha de pagamento até o final de 2021, e as alterações na Lei 10.101/2000, sobre participação nos lucros e resultados.

Esses vetos, no entanto, ainda serão deliberados pelo Congresso Nacional, que poderá acatá-los ou rejeitá-los.

Conclusão
Apesar do tronco da MP 936 ter sido mantido pelo Congresso, algumas novidades importantes foram introduzidas, cabendo às empresas e demais interessados avaliarem-nas para considerarem a pertinência da adoção de alguma das medidas previstas pela Lei 14.020/2020.

Espera-se que o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com as alterações introduzidas pela Lei 14.020, continue a auxiliar na preservação de empregos e de empresas. Isso será possível aferir com a divulgação de informações detalhadas sobre acordos realizados nos moldes do programa, bem como por meio do quantitativo de demissões e admissões mensais no país, o que deverá ser feito pelo Ministério da Economia, conforme regra prevista na própria Lei 14.020/2020.  

 é gerente executiva de relações do trabalho da CNI e membro do Conselho de Administração da OIT.

Camila Jardim Aragão é especialista em Relações do Trabalho da CNI, LL.M. em Direito do Trabalho e Direito Constitucional pela Columbia University e especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade Católica de Brasília.

Pablo Rolim Carneiro é especialista em Relações do Trabalho da CNI, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Revista Consultor Jurídico