A questão ambiental já trazia prejuízos para o Brasil. Agora, somam-se o descontrole da pandemia e a instabilidade política.

A pandemia do novo coronavírus tem trazido consequências econômicas nefastas para os brasileiros. Os impactos a curto prazo incluem fechamento de empresas, desemprego e diminuição na renda. A resposta do governo à crise sanitária, no entanto, está causando um impacto menos visível para os cidadãos: o estrago na credibilidade internacional do país. É o que apontam especialistas consultados pelo Portal Vermelho.

O Brasil já não vivia em um paraíso nessa área. O desmonte da fiscalização ambiental criou um cenário de desconfiança, que acabou por respingar no acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, concluído em 2019 após mais de vinte anos de negociação.

No início de junho, o parlamento da Holanda aprovou uma moção pedindo que o país não ratifique o acordo, sendo um dos motivos a preocupação com a situação da Amazônia. Para entrar em vigor, o acordo precisa ser ratificado por todos os parlamentos de países que integram a União Europeia.

Agora, somaram-se à questão ambiental dois componentes: o descontrole da pandemia e a instabilidade política. Nos noticiários internacionais, o presidente Jair Bolsonaro aparece como um líder negacionista, que sabota o isolamento social e desrespeita recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A crise política em seu governo também já chama a atenção. Na última semana foi tema de matéria do The New York Times, um dos jornais mais renomados do mundo.

Soft power

Ao longo de décadas, o Brasil tornou-se conhecido pela liderança na América Latina e entre países emergentes. O país consolidou o que, em relações internacionais, é conhecido como soft power, ou seja, o poder de influenciar outros países devido a uma imagem positiva no cenário mundial. Mas, com as políticas do atual governo, esse capital vem sendo rapidamente destruído.

“A imagem da relevância geopolítica e geoeconômica do Brasil no mundo, de modo geral, e na América Latina, em particular, tem sofrido diversos reveses no período recente. O descaso com o meio ambiente, a postura de alinhamento praticamente automático da política externa brasileira com os Estados Unidos e a forma pela qual vem sendo conduzido o país diante da pandemia contribuem para a deterioração da influência que o Brasil possui no cenário internacional”, avalia Alex Palludeto, diretor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo Palludeto, a insuficiência das políticas do governo brasileiro em relação à pandemia, seja para conter a contaminação pelo vírus ou atenuar os efeitos da crise sobre trabalhadores e empresas, demonstram a perda da capacidade de liderança que sempre caracterizou o país. “Demonstra certa desorientação acerca daquilo que deve ser feito e a a capacidade limitada de coordenação do governo em um dos mais dramáticos momentos da história. Isso reduz a capacidade do Brasil de se colocar como um dos líderes da América Latina e das economias emergentes”, acrescenta.

O professor lembra ainda que a política exterior do Brasil tem seguido uma linha contrária ao multilateralismo, o que reduz a influência brasileira em instâncias como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a própria OMS, com consequente redução na participação em parcerias e acordos.

Investimentos predatórios

O economista Fernando de Aquino, coordenador da comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), vê a postura atual do governo, de colocar a economia acima de medidas para preservar vidas, como coerente com o projeto que o caracteriza desde o início.

“O governo tenta destruir as instituições republicanas, as regulações, deixar a participação econômica do Estado no [patamar] mínimo, não fazer política de distribuição de renda. [Na visão do governo] o mercado sempre seria melhor e nada com o setor público valeria a pena. Você vê uma atitude nesse sentido, de não ter responsabilidade no combate a uma pandemia como essa. O governo federal, em vez de se colocar à frente, liderando, deixa a doença acontecer e a economia continuar”, comenta.

Segundo o economista, o resultado dessa postura é afastar os investimentos das empresas mais preocupadas com questões ambientais e humanitárias e atrair justamente o oposto.

“O governo, com essa conduta de desregulamentação total, atrai os setores mais bárbaros da economia. Você começa a usar agrotóxicos de forma descontrolada, abre para a indústria de armas, para a indústria de lixo tóxico. Você tem uma série de indústrias que vão degradar o nosso espaço, os próprios garimpos. São atividades que vão lesar muito o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas. Você espanta os bons negócios no sentido mais civilizado”.

Vermelho