Há um mês, presidente disse que 'minha PF' investigaria uso do dinheiro para o coronavírus

Jair Bolsonaro mudou de ideia. Há pouco mais de um mês, o presidente batia na mesa ao esbravejar contra a Polícia Federal. Enviava mensagens ao ministro da Justiça para reclamar de apurações contra seus aliados e reclamava da lentidão do órgão em atender a seus interesses. Agora, ele sorri por trás da máscara e parabeniza a corporação por investigar um de seus rivais.

A alegria seletiva reforça a visão torta que o presidente tem das instituições. Quando a PF se aproxima de seu grupo político, Bolsonaro se diz perseguido e sabota o órgão, em busca de proteção. Quando a corporação bate à porta de seus adversários, a reação é mais generosa.

O próprio presidente faz questão de demarcar essa diferença. Em 24 de abril, Bolsonaro se queixou: “A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo”. Depois de trocar o ministro da Justiça, lançou um pronome possessivo. “A minha PF vai para cima de quem estiver fazendo besteira com essa grana, hein?”, afirmou Bolsonaro, em referência ao dinheiro para o combate ao coronavírus.

Nesta terça (26), o presidente acordou satisfeito. Investigadores amanheceram na residência oficial do governador do Rio, Wilson Witzel, arqui-inimigo de Bolsonaro. Eles dizem ter provas de que uma organização criminosa desviou parte do dinheiro contra a pandemia e fraudou até o orçamento das caixas d’água dos hospitais de campanha do estado.

Em sua campanha obsessiva pelo controle da PF, Bolsonaro conseguiu desmoralizar a corporação em tempo recorde e alimentar desconfianças sobre a atuação do órgão contra críticos do presidente. As investigações acumulam indícios e se aproximam do governador, mas Witzel ganhou de presente a chance de apontar o dedo para Brasília.

Na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se limitou a dar “parabéns à Polícia Federal”. Como se sabe, o episódio só mereceria uma intromissão presidencial caso Witzel se encaixasse nas categorias “a minha família toda” ou “amigos meus”.

Bruno Boghossian

Folha de S.Paulo