O crescimento do PIB em 2020 deve ser o pior da série histórica do IBGE, que começa em 1900. Apesar de não ser o único, o maior responsável por esse cenário é o presidente Jair Bolsonaro

Por Pedro Menezes

Lá vem o Brasil descendo a ladeira, cantaria Moraes Moreira, se estivesse vivo. Para ser mais preciso, o país desce como uma criança pedalando sem freio. Conforme a velocidade da descida aumenta, já sabemos até o que será dito a seguir: “tão novo, tinha tanto potencial…”.

O triste fato é que, em 2020, o Brasil provavelmente terá o pior crescimento do PIB já registrado pelo IBGE na série histórica que começa em 1900. Até hoje, nosso pior ano foi 1990, quando a produção nacional encolheu 4,35%. O segundo pior ano foi 1981 – queda de 4,25% – e, em terceiro, vem 2015 – queda de 3,55%.

No Boletim Focus divulgado na última segunda (11 de maio), a mediana das expectativas de economistas já estava em -4,11%, o que já seria o terceiro pior valor da série do IBGE. E o pior: as projeções pioram há mais de 10 semanas consecutivas. É provável que, na próxima segunda (18 de maio), as projeções piorem ainda mais, superando os -4,35% registrados em 1981.

Hoje, o cenário-base da maioria dos analistas já passa por um crescimento inferior ao de 1981. Ou seja, é provável que 2020 termine com a pior retração do PIB brasileiro desde 1900.

Erros de política econômica não explicam o desastre. Concordo com algumas críticas: Paulo Guedes, no dia 13 de março, prometeu que “com R$ 5 bilhões, a gente aniquila o coronavírus”, frase que sugere a total falta de preparação do ministro para o problema que surgiria; e também é justo criticar a atuação do Banco Central que deve entregar uma inflação abaixo da meta pela terceira vez em 4 anos – desta vez, assim como em 2017, a inflação deve vir abaixo do piso da banda de tolerância. Apesar disso, é difícil jogar o problema apenas nas costas de Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, figurantes numa tragédia cujo protagonista está no Planalto.

Jair Bolsonaro cometeu diversos erros na gestão da crise de saúde que surgiu no horizonte. Em primeira análise, o presidente subestimou o vírus. No dia 22 de março, em entrevista à Record, ele disse: “O número de pessoas que morreram de H1N1 foi mais de 800 pessoas. A previsão é não chegar aí a essa quantidade de óbitos no tocante ao coronavírus.” Menos de 2 meses depois, o número de mortes diárias já supera o que o presidente esperava para todo o período.

Vale notar a ênfase que alguns pesquisadores, como o economista Thomas Conti, tem dado ao caráter triplo da crise que enfrentamos: uma crise econômica, de saúde pública e comportamental. Só o presidente poderia ter enfrentado o problema em sua complexidade.

Governadores e prefeitos podem atuar, em parte, no combate à crise de saúde. Eles determinam quais medidas de distanciamento social e fechamento do comércio são necessárias e administram as informações do SUS. Mas a atuação deles é consideravelmente limitada pelo orçamento público. Estados e municípios não podem se endividar livremente e dependem, em grande parte, da arrecadação tributária. Quem tem maior liberdade para gastar é o governo federal.

Na crise de saúde, cabia ao Brasil fazer todo o possível para comprar os testes e respiradores que viabilizariam uma reabertura segura da economia. O que se viu, pelo contrário, foi uma extraordinária incompetência do governo federal, que demorou a se movimentar.

E o pior: ao invés de coordenar os esforços estaduais e municipais para viabilizar uma reabertura mais ágil, Bolsonaro preferiu entrar em conflito com governadores e prefeitos. O presidente usou inúmeros pronunciamentos para criticar decisões alheias e exigir a reabertura da economia, mas não foi capaz de fornecer um plano claro que pudesse ser utilizado pelos entes subnacionais.

Por fim, o mais grave foi a atuação de Bolsonaro na crise comportamental. Só ele, líder máximo de uma República continental, tinha capacidade de organizar pronunciamentos nacionais para guiar o comportamento dos brasileiros. Ao invés de pedir respeito ao distanciamento para viabilizar uma reabertura segura da economia, o presidente usou seu espaço na TV para incentivar o descumprimento ao distanciamento social.

Vale notar que, aqui, não há só opinião. Ao menos um artigo acadêmico de ponta já evidenciou o papel de Bolsonaro no incentivo ao descumprimento do isolamento social. Ajzenman, Cavalcanti e da Mata mostraram que, após o famigerado pronunciamento da “gripezinha”, os índices de distanciamento caíram seguidamente. E o pior: caíram mais em locais onde o presidente possui mais apoio, reforçando a ideia de que ele foi o responsável por esse processo.

O resultado está sendo visto no dia-a-dia. Estamos arcando com os custos do distanciamento social sem aproveitar plenamente os benefícios.

“Ah, mas são os governadores e prefeitos quem decidiram pelo lockdown”, responderá a militância bolsonarista ao ler críticas ao seu chefe. É importante notar que, na esmagadora maioria do país, não houve lockdown – isto é, não houve isolamento social obrigatório, com punição para quem descumprisse. A adesão ao distanciamento foi voluntária e, por isso, Bolsonaro foi crucial para nos trazer ao cenário atual, com economia fechada e hospitais em colapso.

As previsões de crescimento do PIB em 2020 foram piorando conforme os analistas notaram que a economia não reabriria tão cedo. Ao fim das contas, teremos uma crise econômica colossal, um colapso no sistema de saúde pública e medidas de distanciamento social mais duradouras do que o necessário. A responsabilidade por esse cenário não é exclusiva do presidente – mas, infelizmente, é majoritariamente dele. Ninguém tem tanta culpa no cartório quanto Jair Messias Bolsonaro.

Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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