No artigo da semana passada intitulado, “Bem comum e benefícios privados”, escrevi sobre nossa tendência a enxergar o governo como sendo uma empresa sem dono.

Como ninguém se considera responsável pelo sucesso ou pelo fracasso, todos têm um incentivo para tentar extrair o máximo de vantagem do governo, como forma de maximizar ganhos em relação aos impostos pagos.

Um exemplo acabado é o plano de repasse de R$ 60 bilhões da União para aliviar os efeitos da queda de receita dos Estados e Municípios decorrente da redução da atividade produtiva imposta pelo combate à covid-19.

Uma contrapartida exigida pelo Ministério da Economia para concessão do auxílio seria o congelamento dos salários dos servidores por 18 meses. Derrotado no Congresso, restou ao Executivo vetar este dispositivo que permite os reajustes. Contudo, a falta de convicção dentro do próprio governo parece atrasar o veto e tem aberto o espaço necessário para que governadores aprovem reajustes em meio a este caos econômico.

Situações como esta não passam desapercebidas, pelo contrário.

O Brasil tem se notabilizado como dos países mais incompetentes no enfrentamento da covid-19.

Entre os principais fatores que denotam empresas vencedoras e perdedoras, encontramos a capacidade empresarial. Algo como reunir em boas doses visão de futuro, capacidade de planejamento e execução e adaptabilidade. Esses fatores, combinados, formam uma espécie pré-requisito para moldar uma empresa, capaz de entregar valor para seus clientes e superar seus concorrentes.

Observando o Brasil no contexto do combate ao coronavírus, nossa resposta é débil.

Imagine-se no lugar de um investidor estrangeiro em busca de oportunidades em diferentes mercados ao redor do mundo.

O Brasil é um país grande. Somos a 9ª economia do mundo, contamos com um mercado consumidor de mais de 200 milhões de brasileiros e instituições estáveis.

Apesar destes pontos, o Brasil cresce muito pouco há muitos anos, frequentemente a taxas inferiores às de outros países emergentes. Adicionalmente, convivemos com um desequilíbrio fiscal renitente e uma relação dívida/PIB superior aos países vistos como nossos pares.

Não poderia deixar de mencionar a produtividade. Segundo estudo da Oliver Wyman e Insper, nas duas últimas décadas, a produtividade no Brasil cresceu somente 19%, contra 127% da alcançada pelos emergentes. Podemos alegar que este número é alto devido a presença da China entre os emergentes, mas não é isso. No mesmo período, a OCDE alcançou 35% e os EUA, 48%. Desempenho péssimo o nosso.

A pandemia pegou a todos de surpresa e com muita força, mas os que se encontravam mais debilitados, com certeza, sofrerão mais.

Considerando este pano de fundo, um investidor estrangeiro já teria bons motivos para ficar preocupado com seus recursos no Brasil, e poucos incentivos para apostar mais no país.

E qual foi nossa resposta diante do coronavírus?

A resposta desvelou a ausência de capacidade empresarial ou de gestão de nossas autoridades em todos os níveis da administração pública.

Ausência de coordenação entre União, Estados e Municípios, falta de planejamento centralizado, execução ineficiente etc... Difícil encontrar algo elogiável.

Para agravar a situação, temos um presidente negacionista que parece sabotar seu próprio governo. Segundo a The Economist, nessa cruzada contra a ciência, estamos lado a lado apenas com três outros países, quais sejam, TurcomenistãoBielorrússia e Nicarágua. Nenhum deles uma democracia e todos com economias incomparavelmente menores que a brasileira.

A própria revista apelidou nosso presidente de Bolsonero. Dispensa comentários.

Aliás, enquanto escrevo nesta segunda-feira, o jornal francês Le Monde publicou editorial em que atribui ao nosso presidente responsabilidade direta sobre o caos na saúde e ao elevado número de mortos vítimas da covid-19.

Tudo isso em meio a segunda troca de ministro da saúde em menos de 30 dias.

Voltando a pergunta inicial. Se fosse um investidor estrangeiro, você investiria no Brasil?

A persistir este quadro não podemos ter muitas esperanças. Vamos conviver com muita volatilidade, recuperação lenta e claudicante e desconfiança dos investidores.

O risco político ganhou estatura e vem ampliando o desconto sobre os preços dos ativos brasileiros. Isso já é uma realidade.

Para efeito de ilustração, o relatório Focus de 18/05, mostra uma notável deterioração das expectativas nas últimas quatro semanas.

Projeções do Focus

Há 4 semanas Hoje
IPCA (a.a%) 2,23 1,59
PIB (var. %a.a.) -2,96 -5,12
Câmbio (R$/US$) 4,8 5,28
SELIC (% a.a.) 3 2,25

O momento exige prudência e disciplina.

Analise seu plano de investimentos à luz do cenário base para os próximos meses e de seus objetivos de curto, médio e longo prazos.

Reavalie ou confirme suas decisões e não caia na tentação de buscar ganhos com os movimentos de curto prazo do mercado. Tem muito gestor profissional apanhando.

Valor Invest