A rigidez das reformas aprovadas nos últimos anos dificulta ao país retomar políticas pró-ativas exigidas pela crise da Covid-19. É como se o governo federal relutasse em assumir o papel de ‘maestro da orquestra’ na retomada da economia.

As crises econômicas sempre suscitam respostas dos Estados nacionais. Estas respostas podem ser tanto audazes, parciais, paliativas ou simplesmente inócuas. Todavia é a correlação de força política e a ideologia dos homens de governo que irá estabelecer as políticas de reações que devem ser implementadas. O New Deal de Roosevelt, o Plano Quinquenal de Stálin, o Acordo de Saltsjobaden da Suécia, o Plano Beveridge dos ingleses, o Plano Marshall da doutrina Truman e o Welfare State do pós-guerra são reações políticas às manifestações de crise econômica e política que apontam para a intervenção do Estado na economia e um revés do liberalismo econômico.

De todo modo, a economia mundial está novamente atravessando por um processo de crise. Foi assim com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a New York Stock Exchange, em 1929, com as crises desencadeadas a partir do petróleo, em 1973-74 e 79, e com a crise financeira, de 2007-08, com a quebra de banco norte-americano, o Lehman Brothers. A falência deste banco, “grande demais para falir”, gerou um efeito dominó na economia dos Estados Unidos para, em seguida, contaminar a economia internacional.

Conhecida como a crise dos subprimes, esta foi, até então, a última grande crise do sistema capitalista. Anos depois, em 2010, as turbulências econômicas na Grécia e nas nações do Sul europeu (Portugal, Irlanda, Itália e Espanha) espalharam novamente incertezas por toda a economia mundial, inclusive sobre o futuro do Euro.

Em particular, nas crises de 1929, de 1973-74, de 2007-08 e de 2010, a economia brasileira respondeu de forma pró-ativa. Na crise de 1929, o governo Getúlio Vargas, para manter o nível da renda e o ritmo de crescimento, protegeu o setor cafeeiro adquirindo os excedentes, retirando do mercado parte do café colhido para destruí-lo. Dessa forma, a política de defesa do café de Vargas evitou que a renda monetária se contraísse na mesma proporção que o preço unitário do café, contribuindo assim para manter o nível de emprego nos outros setores da economia. Como escreveu Celso Furtado: “Estávamos, em verdade, construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes”.

No meio da crise de 1973-74, o governo civil-militar lança o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com metas ambiciosas e a mobilização de gasto público. Com o PND, os investimentos programados pelo setor privado e financiado pelo Estado tiveram peso em construções, instalações, equipamentos e processo de complexidade tecnológica. De forma direta e explicita, a política de gastos públicos forneceu capital de giro (despesas correntes) e fixo (despesa de capital) para o setor industrial que, por sua vez, alterou a curva da demanda agregada e da capacidade produtiva do País. O setor público brasileiro assumiu para si a tarefa de sustentar o investimento de longo prazo capaz de manter a demanda agregada. Portanto, foi através dos gastos públicos coordenados pelo I e II PND que o país finalmente internalizou a sua Segunda Revolução Industrial.

Três décadas mais tarde, ao ser deflagrada a crise mundial, em 2007-08, o governo Lula organiza a atuação de governo em torno do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com um investimento público de R$ 503,9 bilhões em obras de infraestrutura logística, energética, social e urbana, o PAC encorajou o investimento privado para acelerar o ritmo de crescimento da economia. Depois de 30 anos, o país tinha novamente um plano estratégico capaz de resgatar o planejamento econômico para retomar investimentos em setores estruturantes e fazer crescer o nível de emprego e da renda. Quatro anos depois, a economia brasileira reunia um conjunto de indicadores positivos enquanto o mundo atravessava um ciclo contínuo de desaceleração.

Tempos depois, em 2010, o desdobramento da crise financeira internacional ainda não tinha sido totalmente superado, a despeito de alguns sinais de melhora na economia norte-americana e em alguns países da Europa. Com a crise da periferia da Zona do Euro, quando a economia europeia afunda em dívida e o desemprego dispara, políticas de austeridade fiscal são implementadas. Todavia, aqui no Brasil, o governo Dilma lança o PAC 2, com investimentos programados em mais de R$ 1 trilhão até o final de 2014. Com um valor de 72% superior aos investimentos realizados pelo PAC 1, o PAC 2 relativamente permitiu manter a economia nacional em ritmo de crescimento. Note-se, a política macroeconômica colocada em prática (com seus trancos e barrancos) soube responder às contradições provocadas pela crise de forma pró-ativa diante de um cenário adverso da economia mundial.

Para tanto, o Brasil não está imune à crise econômica que ecoa mundo afora. Mas, ao contrário de outros países, nas crises de 1929, 1973-74, 2007-08 e 2010 não apostou na austeridade que fecha postos de trabalho e reduz renda do trabalhador para enfrentar o cenário nebuloso. Pelo contrário, articulou um conjunto de investimentos públicos e privados necessários para manter o mercado interno aquecido para que a crise não afetasse a população. Assim, pela política de Estado (ampliação dos gastos públicos) a economia brasileira foi relativamente poupada do acirramento das contradições da produção capitalistas.

Todavia, depois de 2014, o governo federal deu uma guinada ideológica em sua política macroeconômica. Cortou gastos orçamentários, retirou direitos sociais e garantias fundamentais e passou a “demonizar” os gastos públicos. Assim, de lá para cá, o programa de austeridade de Joaquim Levy/Dilma (2014), a Emenda Constitucional n.° 95 (2016) e a Reforma Trabalhista (2017) de Henrique Meirelles/Temer e a Reforma da Previdência (2019) de Paulo Guedes/Bolsonaro intuitivamente são programas austeros, porque reduzem o gasto público, precarizam as relações de trabalho, rebaixam a renda do trabalhador e negam o direito do brasileiro à aposentadoria. Para tal, as teorias econômicas de Milton Friedman, Friedrich Hayek e companhia liberal limitada estão empurrando a economia brasileira para o “penhasco”, onde o povo brasileiro não tem espaço dentro das políticas programáticas estabelecidas no orçamento público.

De todo o modo, as reformas aprovadas pelo governo brasileiro não foram capazes de proporcionar a retomada do crescimento econômico, gerar novos postos de trabalho e ampliar a renda monetária das famílias. Pelo contrário, no geral, os indicadores econômicos nos mostram que o resultado primário rígido destas reformas (juntas e articuladas) ampliou significativamente a vulnerabilidade social no país. Não bastasse isso, a rigidez destas reformas fragiliza as condições necessárias para o país ensaiar uma retomada de políticas pró-ativas frente aos desafios atuais das crises de saúde e econômica provocadas pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Consequentemente, com a deflagração da situação de emergência em saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 30/01/20, em decorrência da infecção humana pela Covid-19 e, mais tarde, em 11/03/20, quando a contaminação da Covid-19 é caracterizada como pandemia, as medidas de isolamento (quarentena) tomadas pelos governos para impedir o avanço do novo coronavírus provocaram a interrupção das atividades “normais” da circulação de pessoas, da produção de mercadorias, do consumo corrente, das trocas comerciais e dos investimentos públicos e privados. Desta forma, a gravidade dos efeitos econômicos da Covid-19 deve-se à sua capacidade de gerar choques na oferta e na demanda agregada mundial.

Não bastasse a defesa da austeridade fiscal, o cenário nacional é ainda mais preocupante porque o governo federal, em particular o presidente da República, tem contrariado as recomendações sanitárias da OMS. E, na medida em que avançam o número de mortes e infectados, o gabinete da Presidência insiste em ignorar os gastos públicos com assistência médico-hospitalar para as ações específicas de combate à Covid-19.

Na contramão das políticas expansionistas (gastos públicos) dos Estados Unidos e países europeus, as medidas econômicas anunciadas pelo governo federal são paliativas, e os parcos recursos colocados à disposição pelo Estado são insuficientes para impedir o movimento de crise sanitária e econômica. Ademais, as medidas anunciadas pelo Banco Central, para que não haja a suposta ruptura do sistema de crédito, é incapaz de estimular a economia, pois o aumento da liquidez deverá ficar empoçado no sistema financeiro. Mais salutar seria revogar o parágrafo primeiro do artigo 164 da Constituição Federal para autorizar a Casa da Moeda a imprimir dinheiro e emprestar ao Tesouro Nacional para políticas de proteção social e estímulo econômico do que disponibilizar R$ 1,216 trilhão para garantir o lucro dos bancos.

Numa conjuntura que prevê a projeção para o PIB, em 2020, de -2,2% (em um cenário pessimista é de -5,2%) e que a taxa de desemprego média deve atingir 13,5%, a política de gastos governamentais deveria assumir papel central na reativação econômica e nas medidas sanitárias contra a Codiv-19. Assim, dentro de um elevado grau de incerteza que dificulta a retomada do desenvolvimento, o teto de gastos prejudica o combate à crise, pois são necessários gastos adicionais para a infraestrutura de combate à doença e coordenação do governo central junto aos Estados e municípios. Ocorre que quanto mais demoradas forem as medidas anticíclicas, mais demorada será a saída da crise. É como se o governo federal relutasse em assumir o papel de “maestro da orquestra” na retomada do crescimento.

Portanto, em conclusão, os governadores, prefeitos, entidades não governamentais e movimentos sociais têm que tencionar o governo federal para assegurar recursos necessários aos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde para que os Estados e municípios se possam evitar uma nova e anunciada tragédia que agrave a da Covid-19.

Fonte: Brasil Debate