Índices registram quedas de dois dígitos em diversos setores no mês de março, trazendo os primeiros sinais da uma inevitável recessão

Os indicadores iniciais de desempenho da economia brasileira em março já apontam a magnitude do impacto que o coronavírus pode ter na atividade. Índices registram quedas recordes – no patamar de dois dígitos –, trazendo os primeiros sinais da uma inevitável recessão. Alguns economistas reduziram novamente suas projeções para a variação do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, com estimativas de contração ainda mais forte.

O licenciamento de automóveis e comerciais leves caiu 35% em relação a fevereiro, enquanto as consultas ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) de São Paulo recuaram 34%. A atividade do comércio diminuiu 16%. O nível de incerteza na economia disparou e a confiança do consumidor e dos empresários desabou.

Menos de um mês após passar a ver retração de 3% no PIB deste ano, o ASA Bank cortou sua estimativa, na sexta-feira (3), para -5%. Além de considerar que medidas de isolamento social se estenderão ao menos até o fim de abril – e não mais até meados do mês –, a equipe do economista Carlos Kawall avalia que as ações adotadas estão, de fato, paralisando significativamente a atividade. “Chama atenção relatório do Google que sugere queda das tendências de frequência em restaurantes, cafés, shopping centers e outros centros de varejo e recreação de 71% frente ao normal para o período, até o fim de março”, escrevem os economistas.

Eles citam ainda estimativa da Cielo para o faturamento nominal do varejo – de queda de 21% em março, ante o mês anterior, com queda de 46% para os serviços – e destacam que o consumo de energia no país recuou 3,5% nos últimos dez dias ante igual período de 2019. Agora, o ASA projeta queda de 0,3% no PIB do primeiro trimestre, ante os três meses anteriores, feitos os ajustes sazonais, e de 7,5% no segundo. As estimativas anteriores eram de -0,2% e -4,5%.

O UBS também piorou sua percepção. A previsão para o desempenho do PIB em 2020, que era de alta de 0,5%, passou para redução de 2%. Para o primeiro trimestre, a projeção foi revista de queda anualizada de 1% para retração de 3,6%. Com o efeito estatístico e o reflexo atrasado da deterioração das condições financeiras, a estimativa para o segundo trimestre mudou de -15% para -20%.

“Março reflete restrições antecipadas no varejo e em serviços devido à pandemia de Covid-19”, afirmam os economistas Fabio Ramos e Tony Volpon em relatório. Eles mencionam a queda de 15,9 pontos no índice de gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) de serviços da IHS Markit em março, para 34,5. Foi o maior declínio mensal desde o início da pesquisa para o Brasil, em 2007.

“Março pode ter quedas bem fortes, de 10% a 15% no mês contra mês, ou até mais em alguns casos, como veículos. O varejo pode cair mais de 15%”, diz Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. “O que pode contrabalançar um pouco é supermercados”, com uma alta de até 5% ou 6%. Por outro lado, a venda de material de construção pode ter caído cerca de 30%. “Bens duráveis devem ter território bem negativo.” Por ora, a ARX projeta queda de 0,4% no PIB de janeiro a março.

Economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo avalia que as vendas maiores de itens básicos não serão suficientes para compensar o tombo em outros setores. Em março, as vendas na capital paulista encolheram 27% sobre igual mês de 2019, aponta medição da ACSP com base em dados da Boa Vista Serviços.

O Indicador de Atividade do Comércio da Serasa Experian caiu 16,2% em março, ante fevereiro, feitos os ajustes, maior redução mensal na série histórica, iniciada em 2000. As quedas foram mais intensas para veículos (-23,1%) e material de construção (-21,9%), e menores nos setores de supermercados (-8,1%) e combustíveis (-5,5%). “A tendência é essa queda se aprofundar e ter novo tombo em abril, porque poderá ser um mês inteiro de comércio fechado”, diz o economista Luiz Rabi.

Mesmo sem conhecer grande parte dos indicadores antecedentes da indústria, já é possível ter uma ideia do quão negativo março foi nas fábricas. O lançamento de novos produtos pelo setor caiu 17%, na comparação com fevereiro, de acordo a Associação Brasileira de Automação (GS1 Brasil), responsável por emitir códigos de barras para os produtos fabricados no país.

Já o PMI da indústria passou de 52,3 em fevereiro para 48,4 no mês passado, a perda mais acentuada desde fevereiro de 2017. Números abaixo de 50 indicam contração da atividade. Bom termômetro para a atividade industrial, o nível de utilização de capacidade instalada (Nuci) da FGV mostrou menor uso do parque produtivo. De fevereiro para março, caiu 0,9 ponto, a 75,3%.

Na indústria automobilística, muitas montadoras anunciaram férias coletivas. Os dados da associação do setor (Anfavea), a serem publicados hoje, devem ajudar nas projeções, diz o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. “É difícil fazer inferência a partir dos licenciamentos, mas a perspectiva é que venha um resultado bem ruim na produção. Muitas montadoras já deixaram de fabricar por uma semana. Perder cinco, sete dias úteis é bem significativo”, diz.

Em projeção preliminar, Nishida diz que a indústria como um todo pode cair 9% em março. Esse tombo, porém, não deve ser uniforme. O setor extrativo pode ser menos afetado. “Talvez, o setor de papel e celulose, por exemplo, tenha até contribuição positiva, por causa da demanda de produção para equipamentos hospitalares.”

Com informações do Valor Econômico