Humor dos brasileiros “mudou em relação a tudo”, diz coordenador da pesquisa

O comportamento errático de Jair Bolsonaro durante a crise do coronavírus e o baixo desempenho econômico do governo fizeram o humor do eleitor brasileiro mudar radicalmente em um mês. Levantamento da consultoria Atlas Político – que em fevereiro apontava que o presidente seria capaz de se reeleger em qualquer cenário de disputa – agora mostra que os ventos de impeachment podem começar a soprar.

De acordo com os dados, 64% dos entrevistados reprovam a forma como Bolsonaro lidou com a chegada da Covid-19. Se há um mês 50,5% das pessoas tinham a expectativa de que a situação econômica do país melhoraria, agora, com a divulgação de um PIB fraco no período, 49,7% acreditam que ela vai piorar. O número dos que apoiam uma deposição do presidente chega a 44,8%.

A pesquisa entrevistou 2 mil pessoas entre os dias 16 e 18 de março, por meio de questionários randômicos respondidos pela Internet e calibrados por um algorítimo. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.

“Nossa última pesquisa mostrava todos os indicadores de otimismo e confiança melhorando. O ministro da Economia, Paulo Guedes, estava mais popular do que nunca. Bolsonaro ganhava de largada em 2022”, lembra o cientista político Andrei Roman, criador do Atlas Político. “A crise veio logo no momento de maior fôlego para o governo desde que Bolsonaro assumiu. Neste momento, o humor mudou em relação a tudo”.

Segundo os dados, 41% dos entrevistados consideram o governo Bolsonaro “ruim” ou “péssimo”. O número dos que acreditam que sua gestão é “regular” é de 33%, e os que a consideram “ótima” ou “boa” são 26%. Conforme Roman, a crise também contaminou a percepção das pessoas sobre outras áreas do governo.

“A expectativa sobre a economia levou o maior tombo. Mas o otimismo em relação à criminalidade e à corrupção caiu também”, explica. De acordo com o levantamento, 52,4% das pessoas acreditam que a criminalidade está aumentando (eram 43,8% em fevereiro); 46,6% creem que a corrupção também está mais elevada (antes eram 39,2%).

Efeito Covid-19

Os entrevistados se mostram pessimistas em relação ao enfrentamento do coronavírus. Para 80%, o sistema de saúde brasileiro não está preparado para enfrentar a pandemia – e 73% creem que a situação da saúde pública piorou com a doença. Mas está piorando. Apesar disso, 96% afirmarem que não conhecem pessoas em seus círculos íntimos que tenham contraído o novo vírus.

O “efeito Covid-19” na rejeição a Bolsonaro tende a crescer. As mortes em razão do novo coronavírus subiram para seis, conforme atualização divulgada nesta quinta-feira (19) pelo Ministério da Saúde. Já os casos confirmados saíram de 428 para 621 em 24 horas. São Paulo segue como foco da disseminação do vírus, com 286 casos. Em seguida vêm Rio de Janeiro (65), Brasília (42), Bahia (30), Minas Gerais (29) e Rio Grande do Sul e Pernambuco (28).

A transmissão comunitária (quando as autoridades não identificam mais a cadeia de infecção ou esta já possui cinco gerações) foi identificada em seis estados. É a modalidade mais preocupante de contágio, pois implica uma disseminação maior e menos controlada do vírus. Conforme levantamento da consultoria Atlas Político, quase sete entre dez pessoas dizem ter medo de sair de casa e contrair a doença.

Diante da economia em queda e da crise social gerada pela doença – que devem trazer a necessidade de ações mais radicais para isolar o vírus, como quarentenas e fechamento de comércios –, os brasileiros se mostram confusos em relação ao futuro dos empregos de suas famílias. Quando perguntados se acreditam que algum familiar poderia perder o emprego, 40% respondem não saber. Para 29%, a expectativa é que sim. Outros 31% dizem não achar provável.

Impeachment

A crescente rejeição a Bolsonaro já se mostrou visível nos últimos dois dias das janelas de cidades brasileiras, de onde partiram “panelaços” vigorosos de protesto. Na esteira dos atos, dois pedidos de impeachment já foram apresentados na Câmara. O primeiro foi feito na terça-feira, pelo deputado distrital Lenadro Grass (Rede-DF). O segundo, na quarta, por intelectuais e parlamentares do PSOL.

Os dois documentos sustentam que o presidente cometeu crime de responsabilidade ao convocar e participar de atos que pediam o fechamento do Congresso Nacional e do STF, no domingo. Bolsonaro – que teve dois testes negativos para a Covid-19 –, foi à frente do Palácio do Planalto para cumprimentar manifestantes, no domingo. Sem máscara, contrariando recomendações do próprio Ministério da Saúde, ele abraçou e tirou selfies com pessoas, manipulando telefones celulares de terceiros.

Após as críticas, Bolsonaro chegou a chamar de “histeria” a reação das pessoas. Mas, após o primeiro dia de panelaço, mudou de tom e compareceu pela primeira vez em uma coletiva de imprensa com ministros, todos de máscaras, para anunciar medidas de enfrentamento à doença.

Para Andrei Roman, os dados relacionados ao impeachment captados pelo levantamento mostram que a adesão inicial ocorrem entre os que já avaliavam mal o governo. “Para esse grupo, essa crise parece ter sido a gota d’água. Mas também é possível que seja um pouco de comportamento estratégico – que esses eleitores opostos a Bolsonaro sintam o enfraquecimento dele, então tenham decidido aderir ao impeachment”, conclui.

Com informações do El País