Sem controle do Estado, com a autonomia neoliberal, o BC será dominado pelo mercado financeiro.

A autonomia do Banco Central (BC) é um objetivo antigo do projeto neoliberal. Agora ela começa a andar efetivamente, com a sua aprovação pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. O texto retorna à análise do Plenário, com pedido de urgência. O projeto é de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM).

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) tentou incluir “um duplo mandato”, com meta também de crescimento (ou geração de empregos), mas não conseguiu. Prevaleceu a ideia de fazer do BC um mero comitê de administração monetária, um presente para o circuito financeiro que rola uma dívida pública ao custo de mais de R$ 400 bilhões por ano.

Política do governo

O debate ainda não definiu como ficará a versão final do projeto; alguns senadores defenderam outras metas para o BC, como a geração de empregos. Em declaração à Agência Senado, o senador José Reguffe (Podemos-DF) citou o exemplo do FED (banco central dos Estados Unidos) que, além de controlar a inflação, tem metas de emprego e crescimento.

Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que a atual redação do projeto não dá “autonomia completa ao BC”. “Não estamos falando de uma autonomia completa, não estamos dando liberdade para o BC ser um governo paralelo. O BC responde a um programa de governo que vem das urnas, por pior que ele seja”, declarou.  

O senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) discordou. Segundo ele, não há nada no projeto que garanta que o presidente do BC se submeta à política do governo. “O projeto não mostra como ele pode ser questionado caso as linhas adotadas fujam aos princípios eleitos nas urnas”, enfatizou.

Vultoso montante

O BC é uma autarquia que deveria estar a serviço do programa de cada governo eleito. Sua autonomia implica, na prática, desligá-lo do Estado e ligá-lo aos organismos internacionais, braços dos ricos credores que utilizam a dívida pública como instrumento de dominação, criando obstáculos para o desenvolvimento dos países devedores.

A relação entre a dívida e o empobrecimento da população é clara. Sua rolagem suga recursos públicos que deveriam ser investidos em infraestrutura, em políticas públicas e em programas sociais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, recentemente fez a conta do quanto ele pretende “economizar” com essa sucção para estabilizar o pagamento de juros.

Falando de improviso, disse que a “reforma” da Previdência Social garante mais de R$ 700 bilhões por ano. A “reforma” administrativa contra o Estado e o funcionalismo público outros R$ 296 bilhões. Outro vultoso montante viria das privatizações. Com isso, garante, reduzirá o pagamento anual dos juros da dívida pública em torno de R$ 120 bilhões, baixando a taxa de juros.

Marcha acelerada

Guedes assumiu anunciando a necessidade de “economizar” R$ 1 trilhão em dez anos. O significado dessa “economia” pode ser visto nos dados mostrados por Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, em artigo no site Monitor Mercantil — conforme registrado nos balanços do BC, R$ 754 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão em valor atualizado) foram pagos aos bancos entre 2009 a 2018.

Os Estados dos países que controlam o fluxo de capitais nessa ciranda financeira acabam assumindo, na prática, as economias dos países dependentes. É uma nova forma de colonização, regulada por medidas como a proposta de autonomia do BC. Assim como as agências reguladoras são influenciadas pelos grupos que deveriam regular, o BC, sem controle do Estado, será dominado pelo mercado financeiro.

O povo ficará à margem dos procedimentos para a “economia” nominada por Paulo Guedes. Submetido a sacrifícios desumanos, nem seu voto será considerado na decisões sobre política monetária. Mas o preço a ser pago será muito alto. A começar pela perda de direitos sociais básicos, um processo já em marcha acelerada no governo Bolsonaro.  

Vermelho