O potencial da economia brasileira não justifica os índices paupérrimos mostrados pelo IBGE. Eles são resultado de uma visão de país que ignora a suas originalidades e as demandas populares, voltada exclusivamente para os interesses econômicos associados aos centros financeiros.

Por Osvaldo Bertolino

 
A lenta caminhada da economia brasileira apresentou, no terceiro trimestre do ano, mais uma pequena elevação do Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os bens e serviços produzidos em determinado período), de 0,6% em relação ao segundo trimestre do ano. Comparado ao terceiro trimestre de 2018, o PIB avançou 1,2%, informa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Um dos puxadores desse pequeno crescimento foi o consumo das famílias, com alta de 0,8% sobre o período de abril a junho e crescimento de 1,9% em relação ao terceiro trimestre do ano passado. É o reflexo de uma leve queda no desemprego, associada à liberação de saques do FGTS. Mas não há nenhum indicativo que apoie a tese da “recuperação da economia”, mesmo que lenta, conforme a mídia e o governo têm afirmado.

Segundo o Ministério da Economia, em outubro a liberação do FGTS injetou R$ 12 bilhões. Somado aos R$ 2,5 bilhões do 13.º para os beneficiários do Bolsa Família, são R$ 14,5 bilhões que entram no consumo. Essa elevação do gasto das famílias fez o PIB de serviços avançar 0,4% na comparação com o segundo trimestre deste ano e 1% em relação ao terceiro trimestre de 2018. O comércio registrou alta de 1,1% ante o trimestre imediatamente anterior.

O PIB da indústria, que dá mais consistência para a economia, ficou para trás, com uma subida de 0,8% no terceiro trimestre em relação ao período imediatamente anterior. A indústria da transformação encolheu 1%, enquanto a indústria extrativa avançou 12%. A indústria da construção, com investimentos localizados no segmento imobiliário de alto padrão, cresceu 1,3% em relação ao segundo trimestre deste ano.

Histeria dos anos 1980

São dados que mostram uma economia praticamente estacionada. O Brasil tem condições para crescer muito mais do que isso, mesmo sob os efeitos da crise econômica global. Mais importante do que os números é a consequência desta paralisia, que ganha dramaticidade com a opção do governo brasileiro de trocar a prioridade nas relações internacionais com os “emergentes” pelos Estados Unidos.

O passo atrás do governo Bolsonaro em relação à China não altera, na essência, essa opção; o Brasil deve ser atingido de frente pelo agravamento da crise internacional, que sinaliza um declínio ainda maior no próximo ano. Ao se subordinar aos xerifes da economia mundial, o governo brasileiro abandona qualquer perspectiva de uma retomada do PIB em bases minimamente sustentáveis.

O país voltou a ser dirigido pela mesma histeria inaugurada nos anos 1980 pelos governos neoliberais de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos), quando começou a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. A justificativa para isso é a suposição arbitrária de que os defeitos dos governos são mais perversos à sociedade do que as falhas do mercado, conforme tem pregado o ministro da Economia, Paulo Guedes.

A essa ideia soma-se outra: a de que os países menos desenvolvidos devem afrouxar os controles para a circulação de capitais em suas fronteiras, tese um tanto paranoica que tem servido a ideologias que veem o mundo numa fase final da história, na qual só resta o caminho da conformação do eterno conflito entre ricos e pobres, entre centro e periferia. De acordo com esse raciocínio, a causa da pobreza de muitos não seria mais os instrumentos que garantem a riqueza de poucos.

O prêmio Nobel de economia de 1995, Robert Lucas, chegou a proclamar: “Quando se começa a pensar em crescimento, é difícil pensar em qualquer outra coisa.” Ou seja: para ele, diante da importância do crescimento seria difícil dar ênfase a outras políticas econômicas. Em outras palavras, é a teoria de tentar fazer o bolo crescer para depois reparti-lo, um engodo bem conhecido no Brasil.

O debate que interessa

Essa tese ignora a constatação básica de que o impacto do crescimento econômico sobre o bem-estar da população é decisivo. E leva imediatamente à pergunta (particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil): como distribuir esta riqueza de forma eficiente? Não será com a extinção da legislação social e com a destruição das entidades representativas dos trabalhadores. 

Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis o determinante é o papel do Estado como ente preparado para a prestação de serviços sociais, os investimentos em infraestrutura e a elevação dos salários. No fundo, esse é o debate que realmente interessa. É preciso buscar a compreensão das causas que levam economias do tamanho da brasileira a não ostentar taxas elevadas de crescimento, pelo menos desde meados da década de 1970.

Mas o Brasil não só precisa de altos índices de crescimento. Precisa que eles sejam contínuos — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”. Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão-de-obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho — além de absorver parte dos desempregados.

Tecnologias avançadas


Mais que isso: o país precisa de um processo contínuo de desenvolvimento. Crescimento não é igual a desenvolvimento. Entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção.

A Finlândia não cresceu tanto, mas sua população de cinco milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil.

Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade. Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, com tecnologias avançadas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída por meio de investimentos sociais e infraestruturais, e da elevação da renda para quem vive de salários.

Tamanho faz diferença

Há algum tempo, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou um cálculo ilustrativo. Se o crescimento da produtividade fosse igual a zero, as economias da região precisariam crescer a uma taxa anual de 2,1% apenas para evitar um aumento do desemprego.

Se a produtividade crescesse no ritmo de 3,7% ao ano (média do período 1950/1973), então o PIB precisaria variar 5,8% ao ano. Como a produtividade brasileira vem crescendo em média 7% anuais, é claro que o crescimento do PIB precisa ser ainda maior, apenas para não criar mais desempregados.

E será que uma economia do porte da brasileira pode se dar a esse luxo? É claro que tamanho faz diferença, mas é preciso aqui fazer uma outra constatação. Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infraestruturas para atender às suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infraestruturais.

Assédio institucionalizado


O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos à industrialização do sub-continente. A Cepal foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos do intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.

No Brasil esse desafio não foi enfrentado. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento. Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda, mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva.

A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito – prática que volta ainda mais forte com o bolsonarismo. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.
Vermelho