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Fidel Castro: Se fue el compañero

Creio que o maior legado de Fidel Castro é ter ensinado ao mundo o que é ser companheiro. Mal interpretado por muitos, talvez o único que realmente bem interpretou Fidel Castro foi ele mesmo. E deixou isso muito bem explícito em sua obra.

Por Paulo Cannabrava Filho* 

 

 


Em discurso em Santa Clara, por exemplo, em comemoração à batalha decisiva travada pelos guerrilheiros contra o exército de Batista, Fidel fez um longo retrospecto da história de Cuba para demonstrar que o triunfo da Revolução era resultado de 100 anos de lutas, lutas que começaram com as revoltas dos escravos no século XVII, passaram pelas lutas pela independência no século XVIII e XIX e as lutas anticolonialista e anti-imperialistas no século XX, desmentindo os que lhe atribuíam a teoria do foco revolucionário. A guerrilha não teria sido vitoriosa sem o apoio dos movimentos sociais revolucionários nas cidades, arrematou.

A dimensão intelectual do líder impressionou o mundo. Vi nos fóruns internacionais como ele provocava deslumbramento e reverência. Reverência dos cultos, dos líderes respeitados em seus países, e deslumbramento nos párias arribados ao poder. O seu brilho realmente incomodava.

Sua geração se inspirou em José Martí, intelectual fecundo, líder das lutas pela independência no século XIX. Cuba liberta da Espanha era presa fácil dos Estados Unidos. Vivi no monstro e conheço suas entranhas, disse Martí. Como Bolívar, acreditava que somente a construção da Pátria Grande poderia colocar freio ou deter a marcha expansionista e hegemônica do novo império, já desenhada na Doutrina Monroe.

Fidel Castro reescreveu e escreveu a História de Cuba. “A história me absolverá”, sua defesa quando preso por comandar o assalto al quartel de Moncada, em 1956, é profética pois traça o que seria a obra da revolução no futuro. Em cada momento do processo revolucionário os discursos de Fidel Castro eram uma prestação de contas à população, honestamente falava dos êxitos e dos fracassos. Ele não deixou um só acontecimento no mundo sem marcar posição, agradasse ou não a quem quer que fosse.

Um povo que teve intelectuais –intelectuais e guerreiros- da dimensão de Martí e Fidel não está fadado certamente ao fracasso.

Mesmo nos momentos mais duros de crise, sem o apoio da URSS e sob a férula do bloqueio implacável imposto pelos Estados Unidos, Cuba jamais deixou de privilegiar a atenção às crianças. Nenhuma menina nem nenhum menino deixou de ir para escola e voltar pra casa bem limpinho e alimentado.

Fidel subverteu Cuba e queria subverter o mundo. E tinha razões para isso. Como romper o isolamento imposto pelas potencias colonialistas e pelo novo Império que construía sua hegemonia?

Os Estados Unidos, desde o século XIX, consideravam que Cuba deveria ser parte de seu território, seja por sua posição estratégica no Caribe, seja por ter sido transformada em bordel e cassino dos ricos e mafiosos estadunidenses.

Desde Eisenhower e Kennedy, passando pelos Bush pai e filho, até Obama, onze presidentes dos Estados Unidos inconformados por perder a pérola do Caribe fizeram de tudo para liquidar com Fidel e a Revolução Cubana. Burrice típica dos fundamentalistas, talvez esse tenha sido o maior erro cometido pelo Império. Tivessem mantido a convivência com os cubanos, jamais teriam se radicalizado.

Eisenhower começou e Kennedy terminou a invasão de Playa Girón por um bando de mercenários treinados e armados pela CIA. Desde então e até hoje, todos os anos algo faziam para desestabilizar o governo. Mais de uma centena tentativas de assassinar a Fidel e sabotar a revolução.

Como Lenin que tendo subvertido todas as Rússias pretendeu subverter o mundo, Fidel criou a Conferência Tricontinental e a Organização Latino-americana de Solidariedade, a Olas, com o objetivo proclamado na ocasião por Che Guevara: criar muitos Vietnãs.

O colonialismo ainda se impunha na África e na Ásia. E deu-se o auge das lutas de libertação nacional. Cuba, sem dúvida, era uma luz, uma inspiração, a certeza de que a vitória era possível.

Vietnã, esgotado após ter derrotado militarmente o colonialismo da França se via agora lutando contra a maior potência militar no planeta. E o incrível aconteceu. O povo venceu o monstro agressor.

O mesmo na África, o colonialismo europeu foi caindo um a um. Sobravam as colônias portuguesas, sustentando uma ditadura das mais retrógradas que fez de Portugal o país mais atrasado da Europa.

Derrotado Portugal internamente, com a Revolução dos Cravos de 1974, o imperialismo inconformado pretendeu manter o domínio sobre Angola. Aí Cuba escreveu uma das mais belas páginas da solidariedade humana, ajudando militarmente a libertação de Angola.

Os países na América Latina, contrariando o sonho da Pátria Grande, viviam de costas um para o outro olhando e se inspirando na Europa ou nos Estados Unidos. Intelectuais brasileiros não conheciam o que ocorria no mundo da cultura argentina nem os argentinos sabiam o que ocorria na Colômbia ou no México. Cuba foi o ponto de encontro.

Foi Cuba, sem dúvida alguma, quem subverteu essa ordem, ao abrir as portas para encontros de intelectuais e artistas e para formação de jovens através da Casa das Américas, do Instituto Cubano de Cinema, da Escola de Artes de Cubanacan e de suas Universidades.

Cuba, ao criar Prensa Latina em 1960, também foi pioneira em quebrar o monopólio absoluto sobre o noticiário internacional na imprensa exercido por quatro agências de notícias, duas estadunidenses, AP e UPI e duas europeias, AFP e Reuters.

Enquanto os Estados Unidos mandam suas tropas de saqueadores ou seus agentes desestabilizadores para atentar contra a soberania dos países de Nossa América, Cuba manda alfabetizadores, faz mutirões para operar cataratas devolvendo a visão a milhares de pessoas, manda engenheiros e principalmente manda médicos para que atuem junto dos esquecidos pelo sistema.

“O capitalismo é uma selva em que o homem luta contra o homem, e haverá um dia em que a humanidade será como uma família”. Essa é a utopia, esse é o sonho de Fidel e como dizia Paulo Freire, é inconcebível a humanidade sem o sonho e a utopia.


*É jornalista editor de Diálogos do Sul, integrou a primeira equipe de correspondentes da Prensa Latina 

 


Fonte: Vermelho, 28 de novembro de 2016





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