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Editorial Gazeta do Povo: Aliança pela impunidade

O que se desenha na Comissão Especial das Dez Medidas na Câmara dos Deputados é uma conspiração para beneficiar políticos investigados



O projeto de lei das Dez Medidas Contra a Corrupção – que, a bem da verdade, já são mais de dez, graças a mudanças feitas pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) – está pronto para ser votado na Comissão Especial criada para analisar as propostas, fruto do trabalho do Ministério Público Federal e endossadas por milhões de assinaturas de cidadãos brasileiros. Mas a comissão que vai votar o substitutivo de Lorenzoni, possivelmente nesta terça-feira, é substancialmente diferente daquela que começou a análise das medidas quando do início de sua tramitação no parlamento.


Segundo apuração do jornal O Estado de S.Paulo, líderes partidários – responsáveis por indicar membros de comissões – já fizeram dez alterações desde o último dia 9: foram seis titulares e quatro suplentes trocados. Parece pouco, dado que a Comissão Especial tem 30 titulares e 30 suplentes. Mas, em temas sensíveis, essa pequena diferença pode significar a aprovação ou a rejeição de um projeto ou relatório.


E as manobras, no caso das Dez Medidas, parecem desenhadas para conseguir barrar o relatório de Lorenzoni. Em relação às propostas originais do MPF, o substitutivo apresenta alguns acertos, como ao recusar o uso de provas ilícitas quando elas são obtidas de boa fé. Mas são outros dois pontos os que causam maior polêmica. Um deles, acrescentado e depois retirado por Lorenzoni, previa que juízes e promotores poderiam responder por crime de responsabilidade em caso de abusos. O recuo, depois de uma reunião entre o relator e representantes do MPF, enfureceu vários deputados. Pelo menos uma das substituições parece ter relação explícita com essa proposta, pois o PP trocou Ricardo Izar por Fausto Pinato, que virou titular da comissão, deseja punições mais rígidas para esses agentes públicos e apresentou voto em separado ao relatório de Lorenzoni.


Outro tema que desperta paixões entre os deputados é a possibilidade de anistia para o crime de caixa dois, que hoje é definido de forma vaga no Código Eleitoral. Uma das medidas previa, originalmente, uma definição mais exata a ser inserida na Lei de Eleições e na Lei de Partidos Políticos. Lorenzoni optou por mudar o próprio Código Eleitoral, mantendo e até ampliando a formulação sugerida pelo MPF. Diversos deputados adorariam ver nisso uma brecha para serem anistiados, baseados no princípio de que leis não retroagem para punir os réus. Mas, por via das dúvidas, há quem deseje inserir explicitamente no projeto o perdão dos crimes passados. Essa manobra foi tentada na calada da noite em setembro e, mesmo frustrada naquela ocasião, ainda não foi abandonada. Um dos defensores da anistia explícita é José Carlos Araújo (PR-BA), que, assim como Pinato, assumiu como titular na comissão – o detalhe grotesco está no fato de Araújo ser, também, presidente do Conselho de Ética da Câmara.


Como costuma dizer, acertadamente, o promotor Deltan Dallagnol, as Dez Medidas já não são apenas um projeto “do Ministério Público”, e sim da sociedade, que as endossou com 2 milhões de assinaturas. Isso não significa, é claro, que o Congresso seja obrigado a aceitá-las da forma como vieram: melhorias são bem-vindas, e os deputados que analisam o projeto também foram eleitos pelo povo. Mas o que se desenha na Comissão Especial é algo bem diferente de um trabalho parlamentar para aperfeiçoar um projeto que tem apoio popular: o que ocorre é uma conspiração para beneficiar políticos investigados pela Lava Jato e outras operações, e que adorariam repetir no Brasil o que ocorreu na Itália após a Operação Mãos Limpas. Só a pressão popular sobre cada deputado pode frustrar essa aliança pela impunidade costurada a muitas mãos.




Fonte: Gazeta do Povo, 22 de novembro de 2016.

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