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Editoria Gazeta do Povo: Prescrições e impunidade

Os casos de Ezequias Moreira e Nelson Justus se arrastam no Tribunal de Justiça e ambos poderão escapar impunes se a lentidão persistir



Justiça que tarda também falha. A lentidão com que tramitam certos processos na Justiça criminal costuma contar a favor do réu – principalmente daqueles que, com bons advogados, conseguem prolongar indefinidamente as ações penais graças à infinidade de recursos permitidos por nossas leis. Neste caso, o tempo não é senhor da razão, mas da possibilidade de os réus nem sequer virem a ser julgados porque o decurso temporal contado a partir da denúncia criminal pode levar à prescrição, instituto que tira do Estado o seu direito de punir.


Não são poucos os casos em que a prescrição beneficia até mesmo réus confessos ou que aguardam ansiosamente para alcançar a idade de 70 anos, marco que acelera os prazos para a prescrição. Com 85 anos, o deputado Paulo Maluf, ex-prefeito paulistano e ex-governador paulista, é caso emblemático de alguém que, pelo avanço da idade, já não responde por uma série de acusações de desvio de recursos públicos.


No Paraná se desenrolam situações parecidas, tendentes a extinguir a punibilidade de dois conhecidos réus de ações penais que também se referem a desvio de dinheiro público. Um deles é o atual secretário de Estado do Cerimonial, Ezequias Moreira, que confessou ter recebido durante dez anos os salários pagos pela Assembleia Legislativa à sua sogra, servidora fantasma. Outro, o deputado estadual Nelson Justus, ex-presidente da Assembleia Legislativa, acusado pelo Ministério Público de alocar em seu gabinete dezenas de funcionários fantasmas e que responde por formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.


Ezequias é um caso que guarda peculiaridades. Foi denunciado em 2007 pelo Ministério Público nas esferas cível – livrando-se da punição ao confessar o desvio e devolver ao erário mais de meio milhão de reais amealhados ilegalmente – e criminal, na qual ainda respondia, na primeira instância, por crime de peculato. Os autos estavam conclusos para que o juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de Curitiba proferisse a sentença. Bem naquele momento, o governador Beto Richa, em uma de suas decisões mais inexplicáveis, nomeou o antigo assessor e amigo da família (que até então ocupava uma diretoria da estatal Sanepar) para o cargo de secretário de Estado, dando-lhe automaticamente foro privilegiado. Isto é, tirou a ação da competência da primeira instância para transferi-la à instância superior, o Tribunal de Justiça.


Na prática, é o mesmo que dar um novo início ao processo. Desde o início de 2015 (isto é, há quase dois anos), a ação se arrasta no Órgão Especial do TJ sem nenhuma decisão – demora inexplicável dadas as evidências do crime cometido e, principalmente, considerando o fato de o réu tê-lo confessado. Manobras processuais, no entanto, alongam o trâmite de tal modo que, prestes a completar dez anos da denúncia aceita pela Justiça, a pena já está à beira da prescrição.


Nascido em junho de 1947, o deputado Nelson Justus está próximo de completar 70 anos – caso em que, segundo o ordenamento jurídico, os prazos de prescrição são reduzidos pela metade, condicionada à não reincidência no crime e se o réu não mais representar um risco à sociedade. Talvez seja esta a explicação mais tolerável para justificar a lentidão do processo sob julgamento dos 25 magistrados integrantes do Órgão Especial que se reúnem a cada 15 dias, não contados durante os recessos do Judiciário.


Ocorre que, a cada sessão do Órgão Especial, repetem-se pedidos de vista do processo, paralisando o seu seguimento por várias semanas ou meses. A repetição continuada desses pedidos leva à conclusão de que Nelson Justus só receberá a sentença muito depois de comemorar o aniversário de 70 anos, quando, dependendo do tamanho da pena, já terá sido beneficiado pela prescrição.


A lentidão do órgão máximo do Judiciário estadual está, assim, cooperando para que acusados por grandes escândalos escapem sem punição. E, se o crime passa a compensar por falha das instituições, será ainda mais difícil esperar que elas gozem da confiança do cidadão comum.





Fonte: Gazeta do Povo, 19 de outubro de 2016.

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