A taxa básica de juros no Brasil, a Selic, se mantém no elevado patamar de 14,25% ao ano desde julho de 2015. Não é surpreendente que esteja tão alta em um momento de inflação também elevada e desajuste das contas públicas. Mas uma análise do histórico dos juros no Brasil permite facilmente constatar que as taxas elevadas de hoje não são explicadas apenas pela situação econômica atual. A raiz do problema é a situação fiscal e só sua solução poderá viabilizar uma queda sustentável do juro brasileiro.
A economia brasileira tem ostentado há anos a maior taxa de juros real do planeta. O juro real é a diferença entre a taxa de juros definida pelo Banco Central e a inflação. Desde 1994, os juros reais se mantêm sistematicamente acima de 10% ao ano. Em 1998, chegaram a 27%. Atualmente, o país lidera o ranking de juros reais com uma taxa em torno de 6% ao ano, seguido pela Rússia (2,7%) e pela China (2,6%). Diferentemente do Brasil, a maior parte dos países opera com taxas em torno de 2% ou ainda menores.
A redução da taxa de juros poderia dar um importante impulso para a atividade econômica, hoje tão deprimida.
Mas por que os juros historicamente são tão altos no Brasil?
A teoria econômica indica que a raiz do nosso problema está em nosso desequilíbrio fiscal – que é um problema estrutural.
O avanço contínuo dos gastos pressiona a demanda total da economia por produtos e serviços, exigindo taxas de juros elevadas para equilibrar investimento e poupança. Em outras palavras, quando o governo gasta mais do que arrecada, os outros agentes econômicos, como os consumidores e as empresas, precisam consumir menos e poupar mais para compensar o déficit público. E o mecanismo para “forçar” o setor privado a poupar e reduzir seu consumo é a alta taxa de juros.
Com o juro alto, o custo do dinheiro aumenta e vale mais à pena poupar do que gastar. Da mesma forma, o crédito fica mais caro, esfriando a venda de produtos financiados, como carros, imóveis ou eletrodomésticos.
Risco. Além do descompasso fiscal, essa dinâmica crescente dos gastos públicos gera incertezas quanto à sustentabilidade da dívida público. Isso aumenta o risco de uma economia como um todo e faz com que os investidores exijam um “prêmio de risco” para comprarem títulos de dívida brasileiros. Na prática, eles exigem retornos (ou juros) maiores para financiar um país.
Há inúmeras teses para tentar explicar os juros altos no Brasil, mas o cerne do problema parece ser mesmo a política fiscal.
Alguns economistas defendem a tese do “equilíbrio perverso” para explicar a manutenção de um patamar elevado na taxa de juros. Eles argumentam que a taxa de juros alta leva a uma despesa excessiva com juros, que aumenta o risco percebido dos títulos públicos, que por sua vez exigem taxas mais altas. De acordo com esta visão, teríamos no Brasil um “equilíbrio perverso”.
Se essa tese fosse correta, bastaria assim que o Banco Central reduzisse a taxa de juros até que atingíssemos um “equilíbrio bom”. Assim, teríamos baixas taxas de juros, que permitissem colocar as contas públicas em ordem, e reforçassem a baixa dos juros na economia.
A história da economia brasileira mostra que ambas as teses são furadas. Os anos de bonança econômica da última década mostram a fragilidade da tese do “equilíbrio perverso”. Neste período, o País, mesmo com taxas de juros elevadas e levemente declinantes (na faixa de 10% a 12% ao ano), cresceu a taxas superiores a 4% ao ano e apresentou sucessivos superávits fiscais – momentos nos quais o governo poupou –, revelando que é possível ter poupança pública mesmo com juros elevados.
E nosso passado recente nos oferece o exemplo inverso. Na metade do primeiro governo de Dilma Rousseff, a tentativa de reduzir a taxa de juros “na marra”, deixando de lado um ajuste fiscal, não trouxe crescimento, acelerou a inflação e obrigou o BC a elevar os juros até o nível em que se encontra hoje.
Portanto, o atual contexto de necessidade de reforma fiscal representa uma oportunidade histórica para reduzirmos o peso que a desordem das contas públicas tem na definição da taxa de juros brasileira. Dentre as distintas medidas do pacote de ajuste fiscal proposto pelo governo Temer, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que propõe um teto para o crescimento dos gastos públicos, apresenta-se como a principal medida capaz de promover, a longo prazo, uma queda dos juros. A PEC, caso aprovada, obrigará o governo, nos próximos 20 anos, a gastar no máximo o montante despendido no ano anterior, apenas corrigido pela inflação.
Historicamente, discutimos o orçamento de baixo para cima: decidimos quanto devemos gastar em cada rubrica para depois ver se cabe no orçamento. Por vezes a decisão de gasto é automática, devido às vinculações, sem haver uma discussão sobre o gasto real necessário. Não raro, é preciso gastar de forma acelerada e sem critério para cumprir o calendário fiscal.
A implementação do teto dos gastos públicos exigirá uma avaliação mais criteriosa, com discussão de prioridades, incentivando a gestão mais eficiente dos recursos públicos. Se for bem-sucedida, o gasto como proporção do PIB recuará, descomprimindo a economia e permitindo, ao longo do tempo, uma queda estrutural das taxas de juros, fundamental para o futuro crescimento econômico sustentável do País.
Fonte: G1, 12 de outubro de 2016.
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