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Qual é a relação entre salário, produtividade e desigualdade?

QUESTÕES BRASILEIRAS

Como sair do torvelinho nefasto em que políticas redistributivas emperram o crescimento e impedem que a desigualdade continue a cair de forma sustentada? Pergunta básica, resposta difícil

Não basta ter crianças e adolescentes nas escolas, é preciso que aprendam a ler, que desenvolvam o gosto pela leitura, tenham intimidade com os números e com as operações matemáticas

Como fazer com que os órfãos da heterodoxia falida sintam-se incluídos no debate sobre a redução da desigualdade? Eis um problema unicamente brasileiro

MONICA BAUMGARTEN DE BOLLEESPECIAL PARA A FOLHA

É comum que, em economia, as perguntas mais básicas se revelem as mais difíceis de responder.

A pergunta mais relevante da atualidade, recorrente entre os economistas, mas com destaque renovado depois da publicação de "O Capital no Século 21", de Thomas Piketty, é: qual a relação entre salários, produtividade e desigualdade? Como a evolução dessa tríade ao longo do tempo, para países diversos, pode elucidar as dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento?

Como documentou Piketty em sua extensa obra, a desigualdade de renda e riqueza no mundo aumentou muito nos últimos 30 anos. Nos EUA, vários estudos têm tentado destrinchar os motivos para a elevação brutal da desigualdade, sobretudo a proveniente das disparidades observadas na renda do trabalho.

A estagnação salarial que sobreveio da crise de 2008, a ausência de ganhos reais significativos ao longo dos últimos sete anos, contribuiu para acentuar a crescente divergência entre os mais ricos e os mais pobres, tornando-a mais evidente.

Ao analisar os dados para a economia americana, observa-se algo surpreendente: os salários não apenas estão parados como não têm acompanhado a produtividade ascendente da economia nas últimas décadas.

Ou seja, enquanto a produtividade sobe, o trabalhador americano está deixando de desfrutar dos ganhos de renda do aumento da eficiência produtiva.

DILEMA AMERICANO

Diz o recém-divulgado relatório da Commission for Inclusive Prosperity: "À medida que o crescimento se desacelerou, grande parte das economias desenvolvidas observou bifurcação entre o aumento da produtividade e a elevação da renda do trabalho. Nos EUA, a lucratividade das empresas se traduziu em maior renda para os acionistas e os altos executivos, mas não para os empregados".

O dilema americano, além de ressuscitar a complexa questão das relações entre desigualdade e crescimento econômico, tem gerado debate aguerrido sobre o que fazer para combater a crescente disparidade da renda.

No seu mais recente discurso sobre o Estado da União, o presidente Barack Obama delineou medidas para conter a escalada da desigualdade, como o controvertido aumento dos impostos sobre os ganhos de capital para que se possam reduzir os tributos que incidem sobre a classe média e sobre os mais pobres.

Entre diversos economistas prevalece a noção de que, nos EUA, a quebra da relação entre salários e produtividade explica o aumento da desigualdade. Quando os trabalhadores são crescentemente excluídos dos ganhos de eficiência embolsados por acionistas e executivos, elevando a desigualdade, uma solução seria implantar política de redistribuição por meio de um tributo sobre os ganhos de capital.

No Brasil, ocorre o oposto do que se observa nos EUA: há pelo menos uma década, os salários crescem acima da produtividade. Nesse mesmo período, a desigualdade caiu substancialmente.

Nos últimos anos, entretanto, há evidências de que a desigualdade parou de cair, ou, ao menos, começou a se estabilizar em patamar ainda demasiado alto.

Há quem credite aos salários que subiram acima da produtividade boa parte da queda da desigualdade nos últimos anos: devido às políticas de elevação da renda do trabalhador implantadas pelo governo brasileiro --como as regras de indexação do salário mínimo--, houve redistribuição da renda, dos empresários para a mão de obra.

Isso, entretanto, nada diz sobre a sustentabilidade da redução da desigualdade. Como observa estudo recente do FMI, às vezes a desigualdade é obstáculo ao crescimento econômico simplesmente porque motiva a adoção de determinadas políticas redistributivas que têm efeito perverso sobre a atividade.

Exemplo disso são políticas que estimulam o descolamento entre salários e produtividade: rendimentos que crescem acima do valor que o trabalhador é capaz de gerar acabam por onerar excessivamente as empresas, que poderão repassar esse aumento de custos para os preços, demitir trabalhadores ou deixar de investir.

A inflação corrói a renda dos mais pobres; o desemprego e a queda do investimento reduzem o crescimento; sem crescimento, não há diminuição contínua da desigualdade. Sobretudo se a regressividade da estrutura tributária punir a classe média e os mais pobres, como ocorre no Brasil.

ATIVIDADE EMPERRADA

Eis, portanto, um dos desafios da tríade salários-produtividade-desigualdade: quando os salários se descolam da produtividade, seja para cima, como no Brasil, seja para baixo, como nos Estados Unidos, a desigualdade pode aumentar.

Se a desigualdade aumentar, parte crescente da renda produzida haverá de ser embolsada pelos mais ricos, em detrimento da classe média e dos mais pobres --a desigualdade é processo que se retroalimenta, a não ser que seja impedida por políticas redistributivas. Mas certas políticas redistributivas podem emperrar o crescimento, sobretudo quando combinadas com a má gestão da política macroeconômica. Isso é o que parece ter ocorrido, em parte, no Brasil.

Como sair do torvelinho nefasto em que políticas redistributivas emperram o crescimento e a falta de crescimento impede que a desigualdade continue a cair de forma sustentada? Pergunta básica, resposta difícil.

No caso do Brasil, talvez a forma mais óbvia de atacar o problema da desigualdade não seja nova, tampouco desconhecida, embora requeira muito esforço.

Relatório recente da OCDE sobre a desigualdade diz que, para reduzi-la, é preciso que a população tenha acesso a educação de qualidade --não basta ter crianças e adolescentes nas escolas, é preciso que aprendam a ler, que desenvolvam o gosto pela leitura, que tenham intimidade com os números e com as operações matemáticas. É preciso, ainda, que desfrutem de rede de apoio, sobretudo quando o nível educacional de pais e parentes for insuficiente para mantê-los engajados no aprendizado.

É preciso que tenham acesso aos serviços públicos básicos, como saúde e saneamento. O relatório da OCDE afirma que a redução sistemática da desigualdade só é possível se essas condições estiverem presentes e beneficiarem os 40% mais pobres, ou seja, tanto as pessoas de baixa renda quanto a classe média mais vulnerável.

O problema é que o Brasil pouco avançou nessas áreas nos últimos 15 anos, não soube usar a bonança externa --a alta dos preços internacionais das matérias-primas, os ingressos de recursos externos entre 2004 e 2010-- para avançar.

A má gestão da economia, hoje, nos obriga a adotar políticas de ajuste que haverão de adiar a redução contínua da desigualdade e a ampliação do processo de inclusão social. O adiamento inevitável já suscita críticas daqueles que, em vez de perceber os erros do passado recente, preferem chamar de fracasso a correção de rumos que acaba de se iniciar.

A tríade dos múltiplos dilemas ganha, pois, faceta adicional: como fazer com que os órfãos da heterodoxia falida sintam-se incluídos no debate sobre a redução da desigualdade? Eis um problema unicamente brasileiro.

Afinal, nos EUA como em outros países, todos já compreenderam que a redução da desigualdade é um valor universal, não pertence aos partidos políticos ou aos intelectuais de ocasião.

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