O Ministério do Trabalho e Emprego divulga o levantamento sobre as operações de combate ao trabalho análogo ao de escravo relativa aos primeiros seis meses de 2014. No período, os auditores fiscais do Trabalho realizaram 57 operações que culminou na autuação de 109 empregadores flagrados utilizando mão-de-obra ilegal, com identificação de 421 trabalhadores na condição análoga a de escravo. As ações do grupo móvel do MTE alcançaram mais de nove mil trabalhadores.
Há, no entanto, casos que dispensam discrição. Em 2008 e 2010, a Construtora Delta, envolvida no escândalo de irregularidades de licitações no Rio de Janeiro e em Goiás descoberto pela operação Monte Carlo, doações para vários partidos e candidatos de diversos estados, entre eles PT e PMDB, com R$ 1,1 milhão para cada um. Parte foi doada diretamente aos diretórios dos partidos. Outra parte seguiu para candidatos a deputados, senadores, prefeitos e governadores.
Somente no Rio de Janeiro, se destacam políticos como os deputados federais Antony Garotinho (PR) e Eduardo Cunha (PMDB), deputado estadual Fábio Francisco da Silva (PPB), candidatos a prefeito das cidades de Duque de Caxias e São João do Meriti e a vereador da capital. A empresa também contribuiu com campanhas nos municípios de Ji-Paraná (RO), Teresina (PI), Santa Maria (RS), Jequié (BA), Porto Alegre (RS), Caxias do Sul (RS), Ariquemes (RO), São Paulo, Cariacica (ES), Coari e Itacoatiara (AM).
“As regras de financiamento de campanhas devem ser alteradas para excluir do seu âmbito as doações de pessoas jurídicas. Assim é possível tornar o processo democrático mais autêntico, preservando-o das inevitáveis pressões dos grupos econômicos sobre nossos representantes”, defende o ministro Castro Meira, do TSE.
Sua colega Carmen Lúcia, ministra do Supremor Tribunak Federal (STF) e presidenta do TSE, concorda que as eleições são muito caras no Brasil e que é deve pesar o conteúdo das propostas dos candidatos, não de suas contas bancáras: “O Congresso tem a árdua tarefa de prioduzir uma reforma que responda aos anseios da população. E o ideal é que as mudanças sejam observadas já nas próximas eleições”, disse.
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coelho, considera estar na raiz da maioria dos problemas do sistema político brasileiro – como a corrupção, o descompromisso com os programas partidários e a falta de sintonia entre os Poderes Legislativo e Executivo – a possibilidade de empresas financiarem as campanhas. “O Brasil precisa urgentemente fazer esse choque de legitimidade política. Indiretamente, as pessoas estão buscando a reforma política”, afirma.
De fato, pesquisas divulgadas recentemente dão conta dessa percepção. Uma delas, feita pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, detectou num universo de 2.400 entrevistados 89% favoráveis a uma reforma política. A esmagadora maioria dos entrevistados julga “caras” ou “muito caras” as campanhas eleitorais e 68% querem que as empresas sejam proibidas de fazer doações.
Outro levantamento recente, do Ibope para o jornal O Estado de S. Paulo, verificou que 39% dos entrevistados são a favor do financiamento público e 14% defendem o custeio das campanhas exclusivamente por pessoas físicas – o que corresponde a um percentual de 53% que desejam que as empresas sejam proibidas de pôr dinheiro em candidaturas. O Ibope, porém, identificou muita gente, 86%, que se considera pouco ou nada informada sobre as discussões em torno de uma possível reforma política – o que leva a crer que os meios de comunicação não são eficientes para contribuir com esse debate.
Inibir os lobbies
O diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo, é de opinião que o financiamento de campanhas passe a ser misto, por meios privados, inclusive pessoas físicas, e pelo Estado. “Uma empresa, quando financia, compra a promessa de decisão futura. Esse é um mercado como outro qualquer, e tentar proibi-lo não dá certo. O que deve haver é fiscalização”, argumenta Abramo.
Para o coordenador do grupo técnico que elabora uma proposta de reforma política na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP), “não é sério dizer que se alguém contribuiu para a campanha manda no deputado. Em mim, e na maioria dos deputados aqui na Casa, ninguém manda. Eu não vejo os deputados votarem de acordo com quem contribuiu com sua campanha, como não vejo os governadores fazerem isso nem a presidenta da República”.
O sistema de financiamento de campanhas é misto: público e privado. Permite que os partidos levantem fundos por meio de doações de entidades privadas, pessoas físicas e empresas, e ainda verbas públicas do fundo partidário, mantido por dotações do Orçamento Geral da União. Estas, entre janeiro e junho deste ano, somaram R$ 148 milhões, distribuídos proporcionalmente, de acordo com a votação obtida pelos partidos na eleição anterior.
Para se ter ideia, em 2012 os gastos dos candidatos a prefeito e vereador foram de R$ 4,6 bilhões, segundo o TSE. O valor representa crescimento da ordem de 471% em relação às campanhas de 2002, para deputados estaduais, federais, senadores, governadores e presidente, quando foram gastos R$ 798 milhões nas campanhas. Na França, as eleições presidenciais e legislativas do ano passado consumiram o correspondente a R$ 70 milhões.
“O valor gasto na França com as últimas eleições é próximo da doação feita por uma única construtora do Brasil nas eleições municipais do ano passado, dividida entre vários candidatos”, compara o pesquisador Geraldo Tadeu Monteiro, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Atualmente, 95% das campanhas são financiadas pelas grandes empresas. Em 2010, as doações de 19 mil pessoas jurídicas somaram R$ 2,2 bilhões (75% do total arrecadado), mas metade dessas contribuições esteve concentrada em 70 empresas. E a participação de pessoas físicas só vem caindo. Para o juiz de Direito e cofundador do MCCE, Marlon Reis, o Brasil precisa urgente de novas regras. “É preciso racionalizar o processo, diminuir drasticamente o custo das campanhas e não mais responsabilizar as empresas por esse custeio”, destacou.
A redução dos gastos por parte dos patrocinadores pode inibir a atuação dos lobbies. Na atual legislatura, a bancada ruralista (a maior de todas, com mais de 200 parlamentares de diversos partidos) confrontou teses em pontos da votação do Código Florestal.
Nos próximos meses, nova discussão sobre o assunto será travada, com a apreciação dos vetos feitos pela presidenta Dilma Rousseff. A mesma bancada também brigou feio, no primeiro semestre, para modificar o projeto que trata de desapropriações em flagrantes de uso de mão de obra análoga a escravidão. Itens do texto acabaram “flexibilizados”, em benefício de empregadores que contestam a interpretação dos órgãos fiscalizadores sobre o que pode ser considerado trabalho escravo ou degradante.
Também foi observada a influência do poder econômico nas votações da medida provisória que determina a regulamentação do setor de Portos (MP dos Portos) e no projeto que prevê a destinação dos royalties do petróleo para o setor de educação. “Em todos esses casos está explícita a pressão do poder econômico que ajuda a eleger os parlamentares”, destacou o cientista político Alexandre Neves, da UFPE.
Outra forma de coibir que lobistas “elejam” previamente quem serão seus representantes no poder é a composição de listas fechadas de candidatos a cargos proporcionais, como vereadores e deputados. A proposta de voto em lista pressupõe que os partidos montem sua “chapa” de candidatos. O eleitorado votaria, então, na chapa, como se faz nos grêmios estudantis ou entidades de classe. E, portanto, nos projetos defendidos por essas chapas, os partidos, e não em pessoas.
Os partidos definem em suas eleições internas a ordem em que seus candidatos aparecem na lista, e essa ordem define os que serão eleitos, de acordo com a proporção de votos alcançada pela legenda.
O voto em lista, porém, tem pouca chance de passar numa reforma que, para valer nas eleições de 2014, teria de estar pronta até 5 de outubro. Um grupo especial da Câmara destacado para formular uma proposta não deu sinais de que conseguiria a proeza. Integrante do grupo, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) empenhou-se num esforço paralelo com colegas do PCdoB, PSB e PDT, que elaboraram um projeto de decreto legislativo que sugere um plebiscito. O texto propõe submeter a consulta popular temas como financiamento público, o uso da internet para projetos de iniciativa popular e a coincidência entre as eleições municipais e federais.
“O projeto está próximo das sugestões apresentadas pela presidenta Dilma ao Congresso. Mostramos que é possível atender a essa demanda da presidenta e da socidade já para o ano que vem”, afirmou o parlamentar. Com assinaturas de quase 200 deputados, o texto precisaria passar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e nos plenários das duas Casas. Resta saber qual o obstáculo mais difícil a superar, o tempo ou a acomodação dos que querem que tudo fique como está.
FONTE: Rede Brasil Atual, 09 de setembro de 2013
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