O mercado de trabalho ainda resiste em contratar profissionais de idade mais avançada. Mas terá de dar espaço a eles, porque a oferta de jovens trabalhadores será cada vez menor
INFOGRÁFICO: Empresas dão pouco valor aos mais velhos
A velhice não é o fim
Aposentado “à força”, Darcy Machiavelli (foto acima) passou a se dedicar à escrita. Já publicou quase 20 livros, principalmente coletâneas de contos e de pensamentos, e volta e meia é convidado a dar palestras para grupos de terceira idade. “Procuro dar exemplo de saúde e disposição para quem se aposentou e está adormecido. A gente se aposenta do serviço, não da vida”, explica o curitibano, que aparenta ter bem menos que os 85 anos denunciados pela carteira de identidade. “A velhice não é o fim. O fim é não chegar à velhice” é uma de suas frases favoritas. Eis outra: “O que eu quero do futuro é estar nele”.
Arrimo
Na ativa ou aposentados, os idosos têm papel fundamental no sustento de boa parte dos lares brasileiros. O IBGE identificou em 2008 que pessoas com 60 anos ou mais arcavam com pelo menos metade das despesas de 53% dos domicílios. E uma pesquisa publicada em 2013 pelo HSBC indicou que, entre os brasileiros “semiaposentados” (que continuam trabalhando), 25% sustentam os filhos, 7%, os netos e 12%, os pais. Dos totalmente aposentados, 33% sustentam os filhos, 9%, os netos e 18%, os pais.
Esse tipo de atitude ilustra o despreparo da maioria das empresas para lidar com o envelhecimento da população e, consequentemente, da força de trabalho. Em 2002, 18% dos brasileiros ocupados tinham 50 anos ou mais; dez anos depois, esse grupo chegou a 22% do total, e a tendência é de que continue crescendo. Ao mesmo tempo, a cada ano menos jovens vão ingressar no mercado de trabalho, o que tornará a mão de obra mais escassa e cara.
“A postura das empresas está mudando, mas muito lentamente. Estamos na iminência de um apagão de talentos, e não haverá jovem para preencher todas as vagas. O mercado não terá outra saída a não ser valorizar os profissionais mais velhos”, diz Emílio Morschel, diretor da Nossa Gestão de Pessoas e Serviços.
Uma pesquisa da PwC e da Fundação Getulio Vargas constatou que apenas 37% das companhias brasileiras veem na força de trabalho mais velha uma alternativa para a escassez de talentos, e que só 12% buscam atrair esses profissionais. Nove em cada dez empresas reconhecem que eles têm mais equilíbrio emocional, capacidade para fazer diagnósticos e resolver problemas. Mas, contraditoriamente, só 11% delas têm modelos de carreira que privilegiem essas competências.
Os gestores se queixam da falta de flexibilidade e adaptação a mudanças dos trabalhadores de idade mais avançada – 96% dizem ter essa dificuldade. No entanto, as próprias empresas se mostram inflexíveis quando questionadas sobre práticas modernas que poderiam beneficiar os mais velhos: 70% não admitem jornadas de meio período e 57% são contrárias ao trabalho em casa (home office).
“Muitas companhias entendem que as pessoas se acomodam com a proximidade da aposentadoria, mas, se você for ouvir os trabalhadores, 80% dizem que estão com todo o gás. A questão é que eles precisam de mais autonomia, flexibilidade, jornadas reduzidas, possibilidade de trabalhar em casa”, diz Morschel.
Daviane Chemin, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Paraná (ABRH-PR), nota um sutil movimento de mudança na cultura empresarial. “Companhias que já tiveram a experiência de só contratar o público mais jovem, sob o entendimento de que só ele é inovador, sentiram na pele que esse modelo mental nem sempre leva aos melhores resultados”, diz.
Na volta ao mercado, salário costuma baixar
Depois de certa idade, a experiência de perder o emprego fica mais traumática. Passado o choque inicial, o sentimento de injustiça, a sensação de perder o chão, vem a dificuldade em voltar ao mercado. Muitas tentativas esbarram no “problema da idade”, que parece transformar em defeito décadas de experiência e dedicação. E, com frequência, o profissional que tem mais de 45 ou 50 anos se vê obrigado a aceitar um salário menor que o do emprego anterior.
Acontece muito com quem passa décadas na mesma empresa, acumulando benefícios, e que ao trocar de empregador vê desaparecerem todos aqueles anuênios, promoções e gratificações. E também com quem se acostumou a fazer o mesmo serviço por anos a fio e, sem perceber, ficou defasado em relação às exigências do mercado.
“Há trabalho para quem tem mais de 50. Mas quanto mais alto você está numa companhia, mais difícil é se recolocar”, diz o contabilista Cléber Amorim, 52 anos. Em 2011, ele foi dispensado da montadora Volvo depois de 25 anos de trabalho. Havia sido transferido de área, e o novo chefe considerou seu salário alto demais – Amorim não falava outras línguas, ao contrário de colegas mais jovens, e os conhecimentos acumulados até então não faziam tanta diferença na nova função.
Por dois anos, Amorim alternou períodos de trabalho em escritórios de contabilidade com freelances, sem nunca alcançar a remuneração que tinha na Volvo. Voltou a trabalhar em uma grande empresa em junho passado, como coordenador da área contábil e fiscal da fornecedora de refeições Risotolândia, onde ganha o equivalente a dois terços do que recebia na montadora. Mas se mostra satisfeito. “Senti um pouco de dificuldade, porque meu trabalho sempre foi executar, e hoje eu também tenho de me preocupar em gerir pessoas. Foi um bom desafio, que me obrigou a sair da zona de conforto”, diz.
Colaborou Mariana Ceccon
Fonte: Gazeta do Povo
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